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Política cultural enquanto meio de comunicação social

Análise do Ponto de Cultura: Bandas Centenárias, Convergência Digital

Milene Morais Ferreira

Resumo

Cada cultura, como pressupõe o relativismo cultural, tem uma forma de expressão específica. Dessa forma, trata-se de pregar que a atividade humana individual deve ser interpretada em contexto, nos termos de sua própria cultura. Toda cultura é fruto de recombinação, emissão, conexão e reconfiguração. Quanto mais heterogênea e diversa for uma cultura, mais rica e estável ela será. No século XXI, a Internet é o meio pelo qual as bandas de música ganharam um novo fôlego. A fim de encurtar distâncias e intensificar resultados, o catálogo on-line de bandas de música de Pernambuco se apoia na Internet e neste novo olhar para a preservação e divulgação da história, do desenvolvimento e das atividades das bandas existentes e suas respectivas instituições. A relevância do trabalho advém da proposta de refletir sobre como as políticas culturais podem acompanhar transformações culturais geradas pelo surgimento de novas tecnologias de comunicação e informação. Assim sendo, o presente estudo investiga o Ponto de Cultura: Bandas Centenárias, Convergência Digital e estabelece um contato direto com uma importante política pública cultural, já que os Pontos de Cultura surgem em uma tentativa de atender à transversalidade da cultura através da gestão compartilhada entre poder público e comunidade. Buscamos analisar, por meio de uma pesquisa qualitativa, o funcionamento do Ponto de Cultura; considerando: as atividades desenvolvidas e o público que abrange, levando em conta a diferença de atuação deste Ponto comparado aos demais. Outro alvo de discussão está relacionado ao fato de tornar-se Ponto de Cultura, evidenciando as mudanças ocorridas. Para fundamentar uma análise produtiva dos Pontos de Cultura, tomamos como norte os pressupostos teóricos sobre Política Pública Cultural de Isaura Botelho e os informes documentais do Ministério da Cultura. O aporte teórico é comporto por: Calabre (2005, 2006); Coelho (1997); Martinell (2003); Rubim (2007); Silva (2007); Turino (2009). O Ponto de Cultura: Bandas Centenárias, Convergência Digital funciona desde final de 2009 por meio do Catálogo Bandas de Música de Pernambuco. A proposta deste catálogo é montar um inventário virtual atualizado, que sirva como mapeamento de informações geradas pelas bandas (filarmônicas, grêmios e sociedades musicais), para que desenvolvam suas atividades educacionais, artísticas, cívicas e culturais com acesso gratuito para o público em geral. A grande extensão territorial de Pernambuco não impediu a criação, manutenção e desenvolvimento de bandas de música em todas as microrregiões do estado. Elas foram testemunhas das mudanças socioculturais ocorridas. Concluímos que o que está em processo ativo nos Pontos é um circuito de reinventar e inventar o tradicional. Portanto, o Programa Cultura Viva contribuiu para o fortalecimento da legitimidade e credibilidade perante outros parceiros, possibilitou a articulação em redes com Pontos diversos de todas as regiões do país e ampliou a mobilização de recursos da instituição.

Palavras chave

Bandas; Digital; Política cultural.

Introdução

“Ouvi dizer que o mundo vai se acabar, que tudo vai pra cucuia, o sol não mais brilhará. Mas se me derem um bombo e uma mulata, e um trombone de prata… O frevo bom viverá.”[1] O que fazer quando manifestações culturais se encontram ameaçadas de extinção? E no caso das bandas? Será que seria necessária a criação de uma rede para quebrar a relação espaço-tempo entre as bandas?

As manifestações culturais populares condensam a “essência” da cultura de um povo e, portanto, de sua identidade nacional, que se refere ao conjunto de sentimentos, os quais fazem um indivíduo sentir-se parte integrante de uma sociedade ou nação. Isto ocorre, conforme o pensamento de Fiorin (2009), a partir da consciência de uma única identidade ou como forma de alteridade, buscando demonstrar a diferença com relação às outras culturas.

Na tentativa de fortalecer a identidade, neste caso das bandas, surge a ideia do Catálogo On-line Bandas de Música de Pernambuco. De acordo com o catálogo on-line (2009), entre o final do século XIX e a década de 60, as bandas se consolidaram como núcleos de desenvolvimento. Nesse primeiro período, contávamos cerca de 66 bandas. Já entre a década de 70 até os dias atuais, o número de bandas duplicou comparativamente com o primeiro período e foram se disseminando por todo o estado. O rádio e a TV foram veículos de comunicação de massa que mudaram a realidade das bandas. Principalmente quando defendiam e promoviam os interesses da indústria fonográfica.

A Internet é o meio pelo qual, no século XXI, as bandas de música ganharam um novo fôlego. A fim de encurtar distâncias e intensificar resultados, o catálogo on-line bandas de música de Pernambuco se apoia na Internet e neste novo olhar para a preservação e divulgação da história, do desenvolvimento e das atividades das bandas existentes e suas respectivas instituições.

A proposta deste catálogo é montar um inventário virtual atualizado, que sirva como mapeamento de informações geradas pelas bandas (filarmônicas, grêmios e sociedades musicais), para que desenvolvam suas atividades educacionais, artísticas, cívicas e culturais com acesso gratuito para o público em geral. A grande extensão territorial de Pernambuco não impediu a criação, manutenção e desenvolvimento de bandas de música em todas as microrregiões do estado. Elas foram testemunhas das mudanças socioculturais ocorridas.

Montes (2007) traz a perspectiva da cultura como elemento de reconstrução de identidades. Para ela, a identidade não é uma coisa, algo que alguém carrega consigo, como o CPF e o RG, mas uma construção da cultura na vida social, que se dá sempre pelo contraste com o outro, pois só o outro nos coloca a questão de nossa identidade e só ele nos obriga a dizer quem somos.

A identidade, conforme postula Hall (2006), emerge na interação com o meio social, uma vez que nos constituímos como sujeito no outro, pois não nascemos completos. Já que o convívio social promove a assimilação da identidade do grupo, além de sua veiculação pela mídia, tradições e mitologia. Identidades são criações, por isso são frágeis, suscetíveis a distorções, simplificações e interpretações variando entre os indivíduos.

Segundo Fiorin (2009), há dois princípios que regem as culturas, e se definem pela exclusão e pela participação. A exclusão se manifesta por meio da triagem e segregação dos indivíduos, já a participação promove a heterogeneidade e a expansão cultural. A síntese da cultura consiste na definição de fatores de integração nacional, baseados na língua, monumentos históricos, modelos de virtudes nacionais etc.

Em uma tentativa de valorizar a cultura popular, que pode ser definida como qualquer manifestação em que o povo produz e participa de forma ativa, o Ministério da Cultura, na primeira gestão do então ministro Gilberto Gil, instituiu, através da Portaria Nº 156 de 6 de julho de 2004, o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, uma rede orgânica de criação e gestão cultural, cuja principal ação são os Pontos de Cultura. O Programa Cultura Viva objetiva reconhecer e potencializar ações culturais, já desenvolvidas por setores historicamente esquecidos das políticas públicas, procurando criar condições de desenvolvimento econômico alternativo e independente para a sustentabilidade da comunidade. Dessa forma, à medida que os movimentos sociais são reconhecidos como sujeitos de manifestações culturais legítimas, os poderes locais passam a respeitá-los e a reconhecê-los.

Em 4 de outubro de 2007, através do Decreto 6.226, o Governo Federal lançou o Programa Mais Cultura, que sinalizava investimento de 4,7 bilhões de reais na área cultural no período de 2007 a 2010. O Programa Mais Cultura apresenta três linhas de ação, a saber: Cultura e Cidadania, Cidade Cultural e Cultura e Renda. O Programa Cultura Viva está inserido na linha de ação Cultura e Cidadania, portanto contemplado pelo Mais Cultura.

Visando à implementação descentralizada de ações do Programa Mais Cultura, o Ministério da Cultura firmou acordo de cooperação técnica com o Governo do estado de Pernambuco, por intermédio da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) em 8 de maio de 2008. Dando continuidade ao processo de implementação do Mais Cultura, a Fundarpe lançou edital em 30 de junho de 2008, visando à criação de 10 Pontos de Cultura em cada uma das 12 Regiões de Desenvolvimento (RD) do Estado, totalizando 120 Pontos de Cultura, conveniados diretamente com a Fundarpe com recursos oriundos do Mais Cultura.

O idealizador dos Pontos de Cultura, Célio Turino (2009), explica como acontece o processo: “o ministério transfere recursos e são os estados ou municípios de grande porte que lançam editais e transferem recursos para as entidades, além de fazer o acompanhamento” e destaca as muitas vantagens deste novo processo “o Ponto de Cultura tornar-se política de Estado, realizada pelos diversos entes federados…; agrega novos recursos… e torna a seleção e acompanhamento mais próximos da realidade local” (p. 167).

O presente artigo originou-se de um subprojeto que tinha por objetivo analisar a subsistência dos Pontos de Cultura nos municípios de Recife e Olinda, no ano de 2015. O subprojeto, “Pontos de Cultura: a quantas andam?”, é resultado de um projeto maior, denominado “A estadualização dos Pontos de Cultura no Estado de Pernambuco” cujo objetivo geral foi avaliar os Pontos de Cultura do Estado de Pernambuco conveniados diretamente pela Fundarpe, a fim de subsidiar aqueles que trabalham com políticas públicas culturais no Estado. A realização deste subprojeto foi possível por estar inserido no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq da Fundação Joaquim Nabuco, sob a orientação do pesquisador Cesar de Mendonça Pereira, da Fundaj. A partir destes estudos, foi possível obter um estudo de caso. Dessa forma, o trabalho torna-se relevante por investigar o Ponto de Cultura: Bandas Centenárias, Convergência Digital e estabelecer um contato direto com uma importante política pública cultural, já que os Pontos de Cultura surgem em uma tentativa de atender à transversalidade da cultura através da gestão compartilhada entre poder público e comunidade.

A pesquisa visa perceber como o Ponto de Cultura está funcionando; quais as atividades que são desenvolvidas e, qual o público que abrange. Outro alvo de discussão está relacionado ao fato de se tornar Ponto de Cultura, evidenciando as mudanças ocorridas através deste fato.

Marco teórico/marco conceptual

1. Trajetória da Política Pública Cultural no Brasil: contexto do Cultura Viva

Para fundamentar uma análise produtiva dos Pontos de Cultura, tomamos como norte os pressupostos teóricos sobre Política Pública Cultural nos escritos da pesquisadora Isaura Botelho e os informes documentais do Ministério da Cultura. Levamos também em consideração as ideias dos intelectuais Mário de Andrade, Aloísio Magalhães e Gilberto Gil. Além de outros estudos, para compor o aporte teórico do estudo, a saber: Calabre (2005); Coelho, (1997); Martinell (2003); Rubim (2007); Silva (2007), Turino (2009), entre outros.

Uma política pública cultural trata das diretrizes sociais, priorizando os direitos sociais dos cidadãos. Envolve os recursos públicos e é conhecida como ação do Estado em benefício da sociedade.

Para Moraes (2006), “políticas públicas são formas de políticas implementadas pelo Estado, cujo objetivo é garantir o consenso social mediante iniciativas que contribuam para a redução das desigualdades e controle das esferas da vida pública para garantir os direitos dos cidadãos” (p. 3). No entendimento desse autor, as políticas públicas não são criadas para imposição de medidas, mas em prol de vida cidadã. Canclini (1987), já abordava sobre a orientação do Estado em relação às Políticas Públicas Culturais, considerando-as intervenções do Estado, das instituições civis e dos grupos comunitários organizados com o fim específico de orientar o desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso para transformação social (p. 65).

A cultura no Brasil, sobretudo no Nordeste, não vinha recebendo tratamento adequado, condizente com a sua importância para os processos de construção do desenvolvimento, haja vista os beneficiados serem sempre os da classe dominante.

A política cultural, em governos anteriores, destinava-se aos diretores de marketing das grandes empresas deixando de lado os produtores e agentes culturais locais. Durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) o Ministério da Cultura (MinC), sob a gestão do cantor e compositor Gilberto Gil, passou por um processo de reestruturação.

O ministro encontrou o MinC em estado de desestruturação, necessitando, por conseguinte, de uma ampla reforma. É interessante saber a maneira como o ministro Gilberto Gil procurou reverter a situação marginal em que se encontrava o MinC, mostrando o papel ativo do Estado nas diversas áreas culturais. Era propósito do ministro, que o Estado contemplasse todos os setores culturais, ainda que isso fosse de encontro aos interesses de alguns políticos e profissionais de marketing. O seu objetivo era que o Estado agisse em conexão com a sociedade, que é o público do Ministério e não somente com os criadores e produtores culturais. Nessa perspectiva, o ministro abria espaço para o diálogo entre a sociedade e o Estado, tão importante para a construção de políticas públicas efetivas (Rubim, 2007, p. 11-12).

As políticas públicas culturais não contemplavam satisfatoriamente o segmento das culturas populares e, a partir desta constatação, o Ministério da Cultura, na primeira gestão do ministro Gilberto Gil, instituiu o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, através da Portaria N° 156 de 06 de julho de 2004. É uma experiência original, ousada e inovadora no âmbito das políticas públicas para a área cultural.

O Programa Cultura Viva visa potencializar ações culturais já desenvolvidas por setores historicamente esquecidos das políticas públicas, criando condições de desenvolvimento econômico alternativo e autônomo para a sustentabilidade da comunidade (Brasil, 2004, p. 18). Dessa forma, à medida que os movimentos sociais são reconhecidos como sujeitos de manifestações culturais legítimas, os poderes locais passam a respeitá-los e a reconhecê-los. Para Arantes (1981), “os detalhes da cultura precisam ser vistos sempre em seu contexto” (p. 39). Esse Programa tem abrangência nacional reunindo entidades e organizações com atuação em diversas áreas da cultura.

O Programa Cultura Viva foi idealizado por reconhecer a centralidade da cultura como ferramenta para construir o desenvolvimento local, a cultura como economia, é geradora de crescimento, renda e emprego. Os objetivos do Programa Cultura Viva (Brasil, 2004, p. 18) são:

  • ampliar e garantir o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural;
  • identificar parceiros e promover pactos com diversos atores governamentais e não governamentais, nacionais e estrangeiros, visando um desenvolvimento humano sustentável, tendo na cultura a principal forma de construção e de expressão da identidade nacional, a forma como o povo se reinventa e pensa criticamente;
  • incorporar referências simbólicas e linguagens artísticas no processo de construção da cidadania, ampliando a capacidade de apropriação criativa do patrimônio cultural pelas comunidades e pela sociedade brasileira como um todo;
  • potencializar energias sociais e culturais, dando vazão à dinâmica própria das comunidades e entrelaçando ações e suportes dirigidos ao desenvolvimento de uma cultura cooperativa, solidária e transformadora;
  • fomentar uma rede horizontal de transformação, de invenção, de fazer e refazer, no sentido de geração de uma teia de significações que nos envolve a todos;
  • estimular a exploração, o uso e a apropriação dos códigos de diferentes meios e linguagens artísticas e lúdicas nos processos educacionais, bem como a utilização de museus, centros culturais e espaços públicos em diferentes situações de aprendizagem e desenvolvendo uma reflexão crítica sobre a realidade em que os cidadãos se inserem;
  • promover a cultura enquanto expressão e representação simbólica, direitos e economia.

Os grupos locais devem ser subsidiados para que possam desenvolver suas capacidades e potencialidades de expressão para melhor oferecer a sua cultura como elemento de integração social. Propiciar esses benefícios faz parte dos objetivos do Programa Cultura Viva.

2. Pontos de Cultura

Pensar Pontos de Cultura compreende pensar alteridade, o que envolve julgamentos de valor, a aproximação com o outro e o conhecimento do outro. Assim como a frase sugestiva: “Eu sou um outro” (Rimbaud apud. Leitão, 2009, p. 31,). O outro sempre se encontra incluído em todas as expressões do eu. O exercício do autoestranhamento nos incita a refletir sobre o que somos; sobre o que excluímos de nós e o que nos falta, ou ainda melhor, sobre o que poderemos vir a ser.

Segundo o antropólogo F. Laplantine (2003), a experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos “evidente”. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de “natural”. Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. Sendo assim, o conhecimento antropológico da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.

A estrutura dos Pontos de Cultura acolhe a diversidade e a heterogeneidade dos grupos que os compõem. Assim, é necessário pensar e observar confluências e alteridades, e construir uma visão de futuro. A afirmação do sociólogo português Boaventura de Souza Santos (2003) permite pensar de forma relativista a questão entre igualdade e diferença. Afinal, é a partir do reconhecimento e da valorização da diferença que se consegue enfrentar a desigualdade:

(…) Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (Santos, 2003, p. 56)

Cada cultura, como pressupõe o relativismo cultural, tem uma forma de expressão específica. Dessa forma, trata-se de pregar que a atividade humana individual deve ser interpretada em contexto, nos termos de sua própria cultura. Toda cultura é fruto de recombinação, de emissão, conexão e reconfiguração. Quanto mais heterogênea e diversa for uma cultura, mais rica e estável ela será.

A maior contribuição que o programa Cultura Viva apresentou foi o fato de evidenciar que diversos sujeitos que atuavam anonimamente na sustentação da diversidade cultural necessitam do apoio e do reconhecimento do Estado, mas que este também necessita deles com a mesma urgência. O que está, hoje, em processo ativo nos Pontos é um circuito de reinventar e inventar o tradicional nos formatos que bem entender, com os suportes que bem arrumarem na marra e no jeito que der para colocar a cara na rua.

3. Ponto de Cultura: Bandas Centenárias, Convergência Digital

O Ponto de Cultura funciona desde final de 2009, por meio do Catálogo Bandas de Música de Pernambuco. A ideia surgiu em virtude da dificuldade de criar uma comunicação entre a Fundarpe e as bandas. Sua ação é de inclusão digital por meio dos seguintes serviços oferecidos gratuitamente: Canal Youtube Catálogo, Canal Youtube Videoaula, Banco de Partituras, Construção de Blogs para Bandas de Música no Catálogo, Palestras & Palestrantes com biografias e entrevistas, MP3, e-books, intercâmbio com músicos de outros estados, material sobre frevo dentre outros.

Há também um espaço para a memória virtual-musical como meio para homenagear personalidades oriundas deste específico universo cultural-musical. O objetivo é divulgar a memória do trabalho realizado por maestros, regentes, compositores, arranjadores, instrumentistas, copistas, pesquisadores, escritores, colaboradores e entusiastas das bandas de música em Pernambuco. Muitas personalidades, em quase dois séculos de história destas instituições em Pernambuco, colaboraram para criação, desenvolvimento e manutenção das Bandas, Filarmônicas, Associações e Sociedades Musical existentes em todo estado.

Contam com vários colaboradores, voluntários e amigos das bandas que incentivam a continuação do catálogo “por um mundo melhor”. De acordo com o gestor, ao consolidar a proposta do Ponto de Cultura no Catálogo On-line Bandas de Música de Pernambuco “ampliamos o acesso gratuito ao objeto do convênio, de seis bandas, para todas as bandas de música de PE”.

Metodologia

Visando alcançar os objetivos da pesquisa e considerando que se trata de uma pesquisa de tipo qualitativa, utilizamos basicamente o trabalho de campo, que foi realizado na “sede” do Ponto de Cultura Bandas Centenário localizada na região metropolitana do Recife, no estado de Pernambuco. Análises e interpretações constituíram parte integrante de todo processo de pesquisa que será detalhado a seguir.

1. Entrevista: registro em áudio

Quanto aos procedimentos metodológicos, entendemos que as técnicas qualitativas têm muito a contribuir com as pesquisas. Portanto, decidimos fazer uso dessas ferramentas.

Dessa forma, quanto à realização da pesquisa de campo, foram utilizadas coletas de dados e em especial a entrevista, pois consegue satisfazer o ato considerado primordial por Oliveira (2006, p. 22), saber ouvir,

A obtenção de explicações fornecidas pelos próprios membros da comunidade investigada permitiria obter aquilo que os antropólogos chamam de “modelo nativo”, matéria–prima para o entendimento antropológico. Tais explicações nativas só poderia ser obtidas por meio da entrevista, portanto, de um ouvir todo especial. (Grifo no original)

Para a efetivação da entrevista, previamente realizamos contato com o gestor do Ponto de Cultura, devidamente cadastrado e conveniado com a Fundarpe, para justificar nosso interesse em sua atuação enquanto Ponto de Cultura. Em seguida, marcamos uma entrevista que estava guiada por perguntas semiestruturadas. A escolha da técnica do registro em áudio é apropriada, para que o entrevistado fique mais à vontade para discorrer sobre o assunto pesquisado.

2. Diário de Campo

O diário de campo buscou registrar as sensações e emoções em cada fase da pesquisa de campo, e como o gestor foi percebido no momento da pesquisa. Estas impressões diversas auxiliaram na avaliação da subjetividade das anotações de campo.

3. Análise dos Dados

A análise dos dados ocorreu durante todo o tempo de pesquisa e buscou responder as questões presentes neste trabalho. Para o tratamento dos dados, a entrevista foi transcrita e digitada. Após esse processo inicial, a microanálise foi aplicada com o intuito de conseguir extrair o máximo de informações.

Análise e discussão de dados

Sabemos que as atividades dos Pontos de Cultura variam de acordo com sua especificidade. O Ponto de Cultura Bandas Centenárias, Convergência Digital PE possui característica singular no Estado, pois não dispõe de atividades físicas, já que como o próprio nome enuncia, é um Ponto digital. Então, funciona 24h em qualquer local do mundo. Conseguindo, assim, trabalhar múltiplas instituições e múltiplas possibilidades de serviços. O Ponto apresenta palestras, partituras, vídeo aula, e-book, apresentação, ensaios, isto se deve a intenção de lidar com 183 bandas filarmônicas.

De um modo geral, o tempo que decorre entre a disponibilização, por parte da Fundarpe, de uma e outra parcela para os Pontos de Cultura, é significativo. Devido à complexidade na política de prestação de contas, que não cabe ao cidadão que faz cultura no país.

 Essa cobrança obscura pode ser percebida a partir do depoimento do entrevistado:

Meu único problema é a incompetência dos caras que estão administrando isso. Eu não tenho problema, pelo contrário, eu sou a solução para um âmbito cultural musical do meu estado. Eu posso vir a ser a solução nesse mesmo âmbito para toda a região Nordeste. Eu sou o único catálogo de banda de música do Brasil. Falando de uma forma nordestina, quiçá da América Latina. Então, eu não tenho problema, o problema é o governo que dirige tanto o estado, quanto o país ou qualquer município é incompetente. Meu principal problema agora é o desprezo institucional.

Para manter as atividades, os Pontos de Cultura buscam novas formas de subsistência. Muitas vezes, elas se dão por meio de parcerias com outras instituições; através de outros projetos, outros editais; vendas de serviços, como por exemplo, espetáculos, oficinas, palestras, etc.; ceder um dos espaços para aluguel e assim, conseguem gerar renda; existe ainda, os que tiram do próprio salário por amor ao que fazem e por não aceitar que a difusão e transmissão dos saberes sejam interrompidas. No caso do Ponto em questão, mantiveram a ação através de doações que são convertidas em gratuidade dos serviços oferecidos principalmente no âmbito da convergência e inclusão digital das bandas de música; desenvolvimento de práticas pedagógicas, para o amadurecimento cognitivo por meio da consciência cultural; manutenção e desenvolvimento do Catálogo On-line Bandas de Música de Pernambuco:

(…) se eles liberam o dinheiro que está comigo faz muito tempo, é claro que vou fazer o melhor possível, mas não porque eu quero mostrar para o governo. Vou fazer o melhor possível como um meio de mostrar, principalmente para essa galera do interior, que com essa coisa da nova tecnologia e com esse conceito de idealidade, eles também vão desenvolver coisas de lá para cá e isso é um trabalho interessante. Por que geralmente a gente pensa em valorizar ações dos caras lá de longe, mas eles têm elementos que podem valorizar coisas que a gente tá fazendo agora ou que até a gente precise fazer porque eles estão mais próximos da memória do que a gente era porque a gente está aqui no âmbito urbano.

É inevitável notar os benefícios que o fato de se tornar um Ponto de Cultura traz para essas instituições. Primeiramente, com relação ao reconhecimento do trabalho e, com isso, nota-se uma melhoria nas relações. Há uma visibilidade maior para a comunidade na qual o Ponto está inserido, em consequência da fixação em um determinado local, o grupo e o Ponto se fortalecem mutuamente. Em seguida, por possibilitar uma estruturação de equipamentos, por exemplo, proporcionando uma melhoria nas aulas, oficinas, e ações de um modo geral. De acordo com o gestor:

(…) a minha comunidade está em todo o estado de PE, e eu já estou indo para fora por que eu já estou tendo contato com o pessoal do Piauí, João Pessoa, Maceió, Rio Grande do Sul. E outro detalhe, meus acessos são do mundo todo. Então, a comunidade está tendo benefício porque até agora ninguém tinha um produto dentro dessa área. (…). Agora não a uma comunidade próxima, nesse sentido o meu raciocínio é meio espiritual. Eu estou falando com quem eu não conheço, nem vejo. Não necessariamente eu preciso ver a pessoa, ou ouvir e tocar nela, essas pessoas têm vida pelo âmbito digital porque o produto final é totalmente digital, ele é feito pelo âmbito virtual, on-line. On-line, necessariamente, também não significa que esteja presente 24h, on-line é o cara ir lá e baixar, olhar cada link. Não é preciso estar presencialmente, fisicamente. Eu funciono muito mais do que uma coisa fixa, em um localzinho fixo para três ou quatro ruas. Minha intenção é muito maior e acho que consegui.

Apesar de suas particularidades socioeconômicas, de um modo geral, aconteceram mudanças nos Pontos, mesmo que mínimas, quanto à infraestrutura e aos equipamentos, como investimentos na adequação física do espaço, compra de equipamentos, realização de oficinas e atividades continuadas, estúdio multimídia. Alguns montaram biblioteca, adquiriram uma boa parte de apetrechos ligados ao audiovisual, como: câmera filmadora, câmera fotográfica, equipamentos de iluminação, de som, além de equipamentos específicos para atender às atividades propostas, outros conseguiram até fazer reformas. Para exemplificar essa opinião: “(…) se não fosse a estrutura física do ponto, essa estrutura virtual que foi criada pelo catálogo não existiria ou poderia existir de uma forma mais reduzida”.

“É como se os caras de hoje em dia tivessem vergonha do que foi vivido no passado e essa vergonha agora, justificasse os caras destruírem o passado. Como se colocassem uma tonelada de areia naquele passado que agora acabou.” Por esse motivo, os grupos lutam para manter vivas suas características. Tentam documentar algumas referências para que no futuro, uma criança possa desfrutar dos valores e expressões artísticas e culturais de sua comunidade, e desta forma, não perder sua história, sua memória.

As instituições promovem suas atividades em decorrência dos seus esforços e de sua vontade de transmitir e propagar saberes, acreditando estar cumprindo um compromisso com a sociedade. E que, para isso, é necessário repassar a história e os valores de sua respectiva etnia:

No que diz respeito à indústria cultural, eu estou resistindo à indústria cultural, construindo rede e quebrando a relação espaço-tempo entre as bandas. Eu estou tentando reconstruir isso pela Internet, por isso que o nome do ponto de cultura é bandas centenárias – convergência digital.

Podemos inferir, em concordância com o Catálogo Cultura Viva (2009), que as principais finalidades do programa Cultura Viva, mediadas pelos Pontos de Cultura, estão sendo respeitadas. Na medida em que ocorre a ampliação e garantia do acesso aos meios de produção e difusão cultural, a identificação de parceiros, promoção de pactos com diversos atores sociais governamentais e não governamentais etc., permitindo, por fim, a consumação da cultura enquanto expressão simbólica, econômica e de direito.

Conclusões

A partir do levantamento e da análise histórico-documental a respeito do Programa Cultura Viva, conseguimos discutir sua ação prioritária que é o Ponto de Cultura. Como explanado, essa ação cria condições favoráveis para a consolidação de uma base social da cultura, assegurando a valorização da conversa e troca entre os diversos agentes; o reconhecimento de si no indivíduo que se apresenta; a percepção de sua centralidade no processo de construção do programa; o surgimento de uma solidariedade imaginária entre figuras distintas ou a possibilidade de balanceamento de energias, a troca de saberes.

A partir disso, são invertidas as formas de abordagens dos grupos sociais, onde o Ministério da Cultura diz quanto pode oferecer e os proponentes definem, a partir de seu ponto de vista e de suas necessidades, como aplicarão os recursos, a exemplo, investimentos na adequação física do espaço, aquisição de equipamentos, realização de oficinas e atividades continuadas, estúdio multimídia, dentre outros.

A inversão da lógica de investir recursos onde há carência e passar a investir em potência criativa, apostando em iniciativas que já existem nas localidades, enquanto organismos pulsantes e vascularizados, que irradiam cultura pelas veias das comunidades, é uma importante característica do programa Cultura Viva, especialmente da ação Pontos de Cultura.

Tão ou mais importante que o recurso é o processo de transformação que o Ponto de Cultura desencadeia: respeito e valorização das pessoas da própria comunidade, novas formas de pactuação entre Estado e sociedade, fortalecimento da autonomia, conexão em rede, intensificação da troca de saberes e fazeres, liberação de sonhos e energias criativas. Os valores que o Ponto de Cultura agrega vão além dos monetários. Em vez de entender a cultura como produto, ela é reconhecida como um processo. Este novo conceito se expressou com o edital de 2004, para seleção dos primeiros Pontos de Cultura.

Bibliografia

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  1. Capiba. Trombone de Prata. Disponível em: <https://bit.ly/2mmAqdu>. Acesso em 19/1/2018.


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