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Geopolítica e transterritorialidades
na Fronteira do Iguaçu-Paraná

Reflexões sobre a sociedade de controle

Roberto França[1]

Os limites de minha linguagem denotam os limites do meu mundo.

 

Wittgenstein, 1999

Introdução

“Tríplice Fronteira”, “Tri-border Area”, “Região Trinacional do Iguaçu” e “Triple Frontera del Paraná” são algumas das denominações utilizadas para referência à fronteira situada entre Brasil, Argentina e Paraguai. Neste ensaio adotarei simplesmente Fronteira do Iguaçu-Paraná (FIP), considerada uma das mais movimentadas da América Latina.

Nessa fronteira perpassam fluxos advindos dos mais diversos pontos do planeta, sendo, portanto, uma das regiões mais observadas do mundo. A mobilidade na fronteira é marcada pelos pés, braços e veículos de transporte, mas, os fluxos informacionais são os mais poderosos, pois além de serem invisíveis, são os mais densos e extensos. Trata-se de uma região geoestrategicamente importante e condiciona a geopolítica dos Estados.

Diante desta problemática, pretendo analisar a Fronteira Iguaçu-Paraná composta pelas cidades de Puerto Iguazu, Foz do Iguaçu e Ciudad del Este sob a perspectiva do conceito de “sociedade de segurança” proposto por Haesbaert (2014) a partir de uma estrutura discursiva deleuze-foucaultiana, no que se convenciona chamar de “sociedade de controle” ou “sociedade biopolítica”.

Nesse sentido, penso que seja fundamental a investigação da multiplicação de esforços dos estados em reproduzir o controle territorial na forma de tecnologias e normas, estabelecendo regulações baseadas na não-integração (políticas protecionistas, “bilateralismos” e “ultranacionalismos” de direita), no medo líquido Bauman, 2008), na topofobia (Tuan, 2005) e, sobretudo na teoria de Haesbaert (2014) que se utiliza das noções de política de in-segurança e des-controle geradoras de transterritorialidades e contornamento.

Ensaiei uma aproximação com Mbembe (2016) a partir das noções de biopoder, soberania, estado de exceção e necropolítica, haja vista os atuais condicionamentos fronteiriços nas três cidades sedes da região da Fronteira Iguaçu-Paraná em países controlados por países participantes do que considero uma internacional neofascista.

Também me apoiei em Benedetti (2013) na proposta de se pensar a fronteira sobre quatro perspectivas básicas: 1. Fronteira como objeto e como campo; 2. A fronteira como um conceito derivado do território; 3. As fronteiras como realidades relacionais; 4. As fronteiras como realidades processuais.

A empiria para este problema foi buscada nas políticas de segurança dos três países para a região de fronteira, a partir de jornais, revistas, think tanks e atos de governo que poderiam caracterizar o biopoder regional. Região esta que muitos consideram como friendly aos povos, haja vista as múltiplas nacionalidades presentes e os intensos fluxos turísticos e comerciais.

A fronteira Iguaçu-Paraná e o problema da linguagem

Mesmo antes da revolução informacional da década de 90, as “palavras-chaves” já eram fundamentais para buscarmos os elementos centrais de um artigo científico. Contudo, as palavras-chaves atualmente são a principal ferramenta de controle social e estão manifestadas hoje na forma de algoritmos, que são um conjunto de procedimentos que norteiam a relação entre homem e máquina na busca das informações que se pretende. Esse encadeamento extremamente organizado tem servido para criar uma inteligência que pauta a rotina dos seres humanos.

Diante da complexidade do mundo os intelectuais adotam a seguinte postura: 1) Descrever problemas complexos com jogos de palavras e metáforas; 2) Pertencer à grupo de pesquisadores ou, como ocorre em muitos casos; 3) Escamotear as próprias dificuldades em dialogar com a “sociedade”.

Outra parcela significativa, de “boa fé”, e a fim de desenvolverem um contradiscurso, reforçam ideologias, especialmente em uma era de “guerra psicológica” ou “guerra híbrida”, onde a geopolítica captura o território a partir da profunda segregação social por intermédio do ethos (crenças, valores, costumes e formas de sociabilidade).

Por exemplo, recentemente a palavra globalização foi amplamente utilizada por intelectuais de esquerda para se contraporem ao discurso da competitividade e meritocracia que emanava das escolas de negócios e dos noticiários a partir de fins da década de 70. Contudo, essa estratégia revelou-se, na maior parte dos casos, completamente improdutiva, reforçando a ideologia da globalização da economia.

No caso da Fronteira Iguaçu, temos um problema análogo, que é a palavra “Tríplice Fronteira”, que entendemos portar um duplo problema: 1) Teórico-metodológico (Formação territorial); 2) “Político” (uso do termo para a geoestratégia do estado). Não é mera tautologia explorar essas duas vertentes para fins de análise, haja vista que não há intencionalidade de uma grande massa de intelectuais que visam propor políticas públicas, melhorias sociais como igualdade, ordenamento territorial visando o melhor desenvolvimento possível etc. Sem embargo há uma tendência de se analisar a fronteira a partir de um espírito de corpo científico, efeito manada ou mesmo para figuração do termo nos buscadores, contribuindo para replicar um conceito controverso.

No primeiro caso me refiro a um problema geográfico, pois existem três limites (linhas de divisões internacionais) na Fronteira Iguaçu e não “três fronteiras”, pois o front (Martins, 2009; Porto-Gonçalves, 2006) é único, formado a partir do conflito territorial e campanha contra alteridade, e pela posse dos recursos naturais e populacionais (França, 2016). Trata-se, portanto, de uma região formada a partir do território disputado.

No segundo caso me refiro à notoriedade da Fronteira Iguaçu (composta por três limites territoriais e três compartimentos) como “Tríplice Fronteira”, não por supostamente ser uma “Tríplice”, mas, por ser conhecida por essa alcunha mundialmente a partir dos “Atentados Terroristas de 11 de setembro de 2001”.

As narrativas de que havia estudos da inteligência estadunidense na denominada Tri-Border Area (TBA) são antigos, porém, foram divulgados pelo Wikileaks em novembro 2010, amplamente noticiado pela imprensa mundial. A atuação de Julian Assange e seu Wikileaks permitiu que as suspeitas se materializassem. Entre os diversos documentos referentes à atuação da inteligência do império estava o material intitulado “Terrorist And Organized Crime Groups In The Tri-border Area (Tba) Of South America” (Hudson, 2003). O documento traz um levantamento completo da geografia da fronteira desde 1999, dois anos antes da derrubada das torres do complexo World Trade Center e do ataque ao Pentágono.

Com base nas informações exaradas no documento de Hudson, as instituições de defesa e segurança dos três países já vinham se reforçando. É bem verdade que a imprensa local reforça estereótipos de in-segurança por conta das grandes massas de trabalhadores e turistas que circulavam na região. Essas informações certamente compuseram uma das bases do documento de estado americano. De acordo com Silveira (2006) a atuação do jornalismo transfronteiriza-se a partir das mediações sociais, porém em virtude de “fraturas políticas”, permeia as relações e esferas podendo integrar ou segregar. Deste modo, a Argentina e, em especial, o Paraguai, são atrelados “a um imaginário de situações recorrentes articuladas pela ausência do Estado, pelo caos e pela violência”.

A construção de uma “Tríplice Fronteira” implica em um imaginário mítico de integração que ocorre por contiguidade territorial, porém que não se realiza completamente considerando a escala dos estados-nações. Pelo fato de a Fronteira Iguaçu ter sido clivada para atender os desejos de ocupação dos três países, cada qual com sua ideologia, sob uma formação socioespacial precedente, majoritariamente guarani, conforme demonstra Masuzaki (2015).

Sem embargo, no imaginário mítico cabe o “paraíso das águas”, “paraíso das cachoeiras” ou “paraíso das compras e do consumo”. Trata-se, portanto, de uma noção hermenêutica, a partir construção de identidades fronteiriças, seja para uma finalidade capitalística (Guattari & Rolnik, 1996), seja por um objetivo de reconfortar o constrangimento territorial do conflito de alteridade e disputa, seja para efetivamente criar o território como mercadoria na forma de paisagem, utilizando-se de uma imagética e do poder simbólico poético, que coloca o indivíduo consumidor supostamente “diante da origem do ser falante” (Bachelard, 1993, p. 187).

Na realidade fronteiriça o que se tem é a fixação de limites em um espaço onde há de parte a parte o desejo pelo domínio, porém, o que se impõe é a política do ponto de contato, isto é, dos acordos paradiplomáticos, dos governos subnacionais e da mobilidade geográfica do capital e do trabalho formal e informal em redes trans-estatais, além da própria heteronomia do estado e sua legitimidade do uso da violência. Esse complexo jogo de interesses e escalas é que me mobiliza a fugir ao rótulo consagrado pelo imaginário e pela política dos estados.

Reconhecidamente, portanto, a fronteira tem uma cartografia real e imaginária. Entretanto, é fundamental reconhecer os jogos escalares e os atores sociopolíticos que articulam as mais variadas estratégias a partir dos objetos e ações dispostos nesse território chamado fronteira. Trata-se, portanto, de não cair nas “armadilhas do mapa”, pois o “espaço é uma esfera de uma simultaneidade dinâmica” (MASSEY, 2008, p. 160).

A noção de polifronteira

Com escusas pelo trocadilho, mas, no limite, vivemos a experiência da polifronteira. A fronteira é poli, pois, ao mesmo tempo é polissêmica (em um sentido perigoso e possivelmente vulgar) e diversa. Essa suposta “constatação” pode ser mero lugar comum, haja vista os vários sentidos da palavra e do espaço intitulado fronteira. Contudo, trazer à reboque, o termo polifronteira, é uma persistente resistência ao termo “Tríplice Fronteira”, justamente por trazer um carregado componente que atende aos desejos de uma “sociedade de segurança” (Haesbaert, 2014), isto é, uma sociedade baseada em processos sociais e biopolíticos baseados na sofisticação de técnicas e normas para o controle territorial.

Pode parecer contraditório, mas embora consideremos que a fronteira sul-americana do Iguaçu foi mesmo formada como front de disputa territorial entre três países, e que se estabeleceu como border aos olhos do “direito internacional”. Os processos dinâmicos anteriores à imposição do front e à regulação estabelecida pelo border são os pares dialéticos mais significativos para compreender os movimentos territoriais. Não se despreza a hegemonia dos Estados nacionais em exercer o poder monopolista sobre as massas circulantes, entretanto, o descontrole de fato é o que predomina na “região”, e é justamente essa contradição que move a presente reflexão.

Entre as diversas possibilidades de análise, abordaremos o controle aduaneiro na fronteira e o fetichismo da segurança a partir dos mitos do terrorismo (Argentina), cultura do contrabando (Brasil) e do combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC), uma organização criminosa do Brasil (Paraguai).

O fetiche é o uso do discurso da segurança para encampar ações militarizadas e de proteção com a intencionalidade de guarnição da fronteira e de imposição do poder do estado por meio de signos, imagética e retórica que visa contrapor-se à um discurso de integração regional estabelecida especialmente pelos organizações supranacionais, que são os conselhos municipais que buscam vender a Fronteira Iguaçu como o ápice de uma experiência humana onde se pode visitar os parques nacionais e fazer compras durante o dia e, à noite, jantar em um bom restaurante.

Por trás do discurso ápice da experiência consumista, “cosmopolita” e “hiperglobalista”, há uma situação de tensão e conflitos diários que vão desde o bloqueio de passagens até o uso da força contra as populações tradicionais e pobres, além da forte tensão aduaneira.

Diante das possibilidades analíticas aponto agora para o delineamento. Pergunto, portanto, qual é a escala do poder aduaneiro na dinâmica urbana da fronteira e como esse poder se relaciona com a segurança? Essa questão aponta para dois níveis: o simbólico e do poder heterônomo.

Um programa de televisão da National Geographic, intitulado “Fronteras peligrosas” anuncia todos os dias:

Sigue de cerca el trabajo de los oficiales fronterizos al inspeccionar las cargas que intentan ingresar los viajeros a través de los distintos puertos terrestres, aéreos y marítimos. Estos agentes enfrentarán la ardua tarea de buscar viajeros ilegales, armas y contrabando. No hay descanso para los hombres y mujeres que trabajan dentro de la Aduana y Protección Fronteriza en Latinoamérica (National Geographic)[2].

Essa estrutura discursiva fetichizada pelo programa de televisão, também está internalizada nas classes médias e elites da fronteira e serve como instrumento de coerção da população que vive do contornamento, que significa contornar as ações de repressão na fronteira, configurando uma ação transterritorial (Haesbaert, 2014, pp. 279 – 280). Na Fronteira Iguaçu podemos mencionar as mais variadas formas de comércio informal que vão dos vendedores de alho aos contrabandistas de cigarros. Podemos mencionar duas pesquisas realizadas sob minha orientação: “‘Olha o alho!’: a cidade de fronteira nos passos do sujeito”, de Rodrigues (2016) e “Almacenes paraguaios: interações espaciais e relações de sociabilidade”, de Garcia (2016).

Rodrigues (2016) procurou compreender os percursos urbanos dos vendedores de alhos e outros sujeitos buscando refletir sobre os fluxos de capital-trabalho na fronteira, considerando os seus trânsitos, trajetórias e práticas. Neste trabalho o autor abordou também as narrativas e estórias a partir do contexto de informalidade e experiência no uso do espaço urbano de modo periférico enquanto indivíduo que contorna e, central, como indivíduo atuante da cadeia produtiva do alho e na expansão do capital, “considerando que esse processo se dá a partir da articulação de fronteiras entre o legal e ilegal, lícito e ilícito, formal e informal” (Rodrigues, 2016, p. 24).

Garcia (2016), por seu lado, trouxe como os almacenes paraguaios se articulam com o comércio de Brasil e Argentina na luta diária de comprar e vender. O sujeito central na pesquisa é a mulher paraguaia, chefe de família, e organizadora de um circuito fronteiriço composto pelo contornamento aos agentes aduaneiros.

Entremeios aos habitantes de Foz do Iguaçu, das mais diversas classes, passando pelos trabalhadores informais moradores permanentes ou não, até chegar aos comerciantes e traficantes que usam o território de fronteira com a finalidade centrífuga (MACHADO, 1998, p. 42), temos o aparato de securitização com toda sua dimensão técnica (Postos de fiscalização alfandegados ou não, armamentos, instrumentos de monitoramento e controle) e normativa (monopólio de uso das normas jurídicas para fiscalização e repressão).

Esse aparato de securitização se manifesta em iconografias que permitem o pleno controle social na fronteira, estabelecendo um Ser de fronteira baseado no medo (medo do outro e dos efeitos da mobilidade, que inclui os crimes transnacionais e estruturas de contornamento).

Essas contradições territoriais na Fronteira Iguaçu devem-se a um processo de formação que advém da conquista de um “heartland”. Entre o fim do século XIX e início do século XX, a região da famosa desembocadura era o front de três jovens nações que disputavam o território em confrontação com os índios guaranis. Sendo assim, considerando a dinâmica “territorialista” de alargamento dos limites e imposição de compartimentação, cada país estabelece suas próprias estratégias.

In-segurança e des-controle na polifronteira

Pensando o território como um sistema de ação e atores de modo que “L’acteur n’est pas une personne en général, c’est une personne qui agit. Ce peut être une réalité plus large, une instance ou une organisation (groupe social), une entité identifiable, un «opérateur générique doté d’une capacité d’agir»” (Di Meo, 2006, p. 11).

Na fronteira disputada (“O campo”, Benedetti, 2013), as escalas estão sujeitas aos efeitos de transfronteirização conforme já bem demonstrado analítica e empiricamente por Schweitzer (2000) e por Carneiro (2016) entre outros. Este último elabora um rico e valioso trabalho apresentando as externalidades e a importância da região para a integração da América do Sul. No entanto, de acordo com o autor, também havia a questão dos “efeitos negativos da transfronteirização”, no que ele denomina como “transfronteirização através do crime”, arrolando delitos como contrabando, descaminho, tráficos (pessoas e drogas) e a “corrupção além fronteiras” (o preço da paz).

Sob outra perspectiva Cardin (2010) observa que os “efeitos negativos” estão nos conflitos e resistência decorrente de um modo de regulação que visa a criminalização dos trabalhadores, em face de um projeto modernizador e das demandas de expansão do capital, isto é, ao mesmo tempo que se estabelece uma ampliação dos mercados, novas formas de regulação e controle se impõem. Do lado do aumento do comércio estão os atores políticos e suas representações sociais dominantes e, do outro lado, trabalhadores que visam sua sobrevivência.

Nesse contexto é que entre as várias “camadas” escalares, temos um campo de lutas sociais e políticas em que o estado tem sua fortaleza no monopólio da violência, que ele pode conceder na forma de articulação com atores criminais ou trabalhadores buscando sua sobrevivência, como demonstrei no item anterior. Haverá entre essas camadas a disputa de narrativas da venda da paisagem idílica da cidade; do comércio de mercadorias de última geração e da boêmia e, de uma classe média que reproduz os discursos extraídos dos noticiários da fronteira sobre a violência, a fim de buscarem a blindagem de fronteira com mais polícia.

A atualidade corrobora com o pensamento de Benvenuto (2016) de que a integração de fato, das reais intencionalidades humanas está distante de ocorrer na fronteira. O desejo de integração não passaria, portanto, de um discurso que escamoteia sua forma real.

Por exemplo, em meio a um momento de conflagração de uma internacional neofascista entre os países do subcontinente sul-americano, o recém eleito deputado federal pelo Partido Social Liberal (do Partido Social Liberal – PSL – o mesmo partido de Jair Bolsonaro quando eleito presidente da República), o Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Márcio Tadeu Lemos afirmou ao The Guardian que será necessário a construção de “um muro muito alto” ao longo da fronteira do sudoeste do Brasil com o Paraguai para bloquear os contrabandistas e traficantes de armas. Em resposta, o porta-voz para o poder executivo, Hugo Cáceres, respondeu às declarações feitas por Lemos afirmando que o que o Paraguai quer é “construir pontes, não muralhas” (The Guardian, 2018)

Outro exemplo está no elevado controle argentino no “Destino Iguazu”. Recentemente o governo argentino anunciou que tinha a intenção de cobrança de pedágio na entrada de brasileiros ao Brasil. A notícia foi veiculada pelo periódico misionero Iguazú Noticias em 17 de novembro de 2016. A partir da informação, o sítio foz iguaçuense de notícias, o Click Foz, veiculou a notícia no mesmo dia e ouviu um comerciante de Puerto Iguazu demonstrando sua insatisfação.

Entremeios a esse imbróglio os atores transfronteiriços se organizaram e não permitiram a instalação de praças de pedágio, mas o controle na fronteira tem ficado mais vigoroso do lado argentino, fazendo com que o Brasil adotasse políticas de reciprocidade. Esses repetidos problemas fizeram com que os dois países assinassem um acordo sobre o transporte turístico após 18 anos e de diversas multas aos trabalhadores não cadastrados.

Outra situação de animosidade entre as partes se deu por conta de um alerta aos turistas, moradores de Puerto Iguazu e Misiones em geral, que visitam em Foz do Iguaçu. O alerta dizia que não existe segurança em na cidade brasileira: “Foz do Iguassu, es la ciudad más violenta de Brasil, tenga mucho cuidado si viaja em camioneta o auto de alta gama. Los argentinos son asaltados a plena luz del día, em estacionamientos, shoppings, mercados, etc. No existe la mínima seguridad” (UOL, 2017).

Em resposta, uma agência de turismo local respondeu com bom humor enaltecendo “la ciudad hermana” (UOL, 2017).

Srs turistas, moradores de Foz do Iguaçu e do estado do Paraná.

Tem coisas que você precisa saber antes de visitar Puerto Iguazú: pedimos que tome muito cuidado antes de atravessar a fronteira.

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Confira essa 5 dicas que preparamos para você voltar de lá são e salvo:

– CUIDADO COM AS RUAS, você vai se apaixonar por elas, as horas parecem passar mais devagar e os moradores aproveitam mais os dias;

– PRESTE MUITO ATENÇÃO NA COMIDA, o bife de chorizo fará com que você passe dar mais atenção ao churrasco argentino. O alfajor vai fazer você se deliciar pelo doce de leite, o mais famoso do mundo;

– ATENÇÃO COM OS OLHOS, pois eles vão se fixar no pôr-do-sl do Marco das 3 Fronteiras, onde você vai observar 3 países ao mesmo tempo;

– NÃO VÁ DESACOMPANHADO! Você vai desejar ter alguém ao seu lado para compartilhar todos os ótimos momentos;

– TODO CUIDADO POSSÍVEL NAS CATARATAS, você será raptado pela atmosfera contagiante que toma conta do Parque Nacional do Iguaçu[3].

Um dos marcos do controle na região se dá pelo aumento da importância da Gendarmería frente à Policia Federal Argentina (PFA) para fazer o controle fronteiriço. De acordo com Fredric (2014, p. 222), ocorreu uma expansão territorial da Gendarmería produzida por seu aumento “geométrico e intervención en operaciones policiales urbanas alejadas de la frontera, su ámbito tradicional de intervención, fue una apuesta del Estado parcialmente diferente a reclamos internos y externos de intervención de las Fuerzas Armadas en la ‘lucha contra el narcotráfico’”.

Do lado brasileiro, antes mesmo do estabelecimento do Programa de Proteção Integrada de Fronteira, instituído em 2016 (BRASIL, 2016), o país sempre estabeleceu uma política de “operações” por parte de todo o aparato nacional de segurança, haja vista que o território brasileiro é o principal destino das mercadorias ilegais, seja para consumo interno ou externo. Em momentos de operação, especialmente terrestre, a fiscalização é feita em rodovia por todas as forças e em todos os veículos.

A corrupção é um dos fatos da fronteira. Ora, é evidente que não exclusividade dessa fronteira, porém é elemento comum aos três países e é naturalizado por grande parte da sociedade. Carneiro (2016) destaca o maior risco de coimas no Paraguai, mas também enfatiza o modelo de crime transnacional.

Se, por um lado os agentes paraguaios são os mais conhecidos na região por práticas corruptas, os brasileiros são conhecidos por utilizar o país vizinho para refugiar-se da polícia brasileira. É o caso do Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo, e do Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro que estão territorializados no Paraguai, principalmente em na fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, mas que também mantém nós logísticos, de inteligência, vigilância e controle na Fronteira Iguaçu-Paraná. Existem fortes suspeitas que o maior assalto ocorrido na história do Paraguai da monta de US$ 40 milhões (à época, R$ 120 milhões) da transportadora brasileira de valores, Prosegur, em Ciudad del Este, em abril de 2017. De acordo com Aline Ribeiro (2017), em reportagem para a revista Época, “Mega-assalto no Paraguai tem a marca de facção brasileira. Bando fortemente armado explodiu uma transportadora de valores, queimou carros e levou o equivalente a R$ 120 milhões. Ataque é considerado sinal da expansão do PCC no país”.

A maior parte da imprensa logo tratou de apontar o PCC como responsável mediante primeiras suspeitas da Polícia Federal do Brasil, porém, em entrevista para a jornalista Júlia Barbon, do jornal Folha de S. Paulo, o especialista em Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, afirma ironicamente que “culpar facção (PCC) por assalto no Paraguai é resposta fácil:

Jornal Folha de S. Paulo (pergunta): Faz sentido que o PCC seja o autor do assalto? Renato Sérgio de Lima (resposta): Sim e não. Não porque há em curso hoje na América Latina, principalmente na América do Sul, uma tendência de fazer do PCC o novo inimigo regional e, com isso, deslocar o tema do crime organizado da agenda da segurança pública para a da segurança nacional. Isso envolve não só interesses geopolíticos, de agências das Nações Unidas, mas também de recursos. Que o dinheiro saia das polícias, as enfraquecendo, e vá para as Forças Armadas ou para a Polícia Federal, as fortalecendo. E o sim? O sim remete ao fato de que o crime organizado no Brasil não produz principalmente cocaína, e precisa de rotas internacionais. O PCC teve na sua origem roubos a bancos, mas há muito tempo deixou de ter nisso sua principal fonte, que passou a ser o tráfico de drogas. Mas essa mistura entre grandes assaltos com o poder bélico do tráfico de drogas é recente e potencializado, sim, pelo PCC no Brasil. Agora, quando você conversa com policiais que investigam o PCC no dia a dia, o assalto não é um modus operandi da facção. O PCC aluga equipamentos, armas, para os chefes que fazem os assaltos. Depois, em geral, esse dinheiro é usado para comprar um ponto de tráfico do próprio PCC ou de outra facção rival. Esses pontos relativizam a suspeita de que o assalto foi feito pelo PCC. Só que isso não nos exime de muita investigação, muita inteligência”. (FOLHA DE S. PAULO, 2017).

Após dois anos, Luiz Vassallo e Fausto Macedo apresentaram uma reportagem, em 20 de abril de 2019, que confirma, por intermédio de um banco de DNA da Polícia Federal, que o PCC estava mesmo por trás do assalto da Prosegur, no Paraguai (UOL, 2019, do grupo Folha de S. Paulo). A reportagem lembra que o banco de DNA é uma das plataformas políticas do ministro da Justiça Sérgio Moro, que em sua conta no Twitter comemorou a “conquista” (pessoal). Segue a thread publicada em 20 de abril de 2019:

Projeto de lei anticrime. Medidas simples e eficazes contra o crime. Uma das minhas favoritas, a ampliação do Banco Nacional de Perfis Genéticos, o que aumentará a taxa de resolução de investigação de qualquer crime, mas principalmente de crimes que deixam vestígios corporais.

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Projeto de lei anticrime. Medidas simples e eficazes contra o crime. Uma das minhas favoritas, a ampliação do Banco Nacional de Perfis Genéticos, o que aumentará a taxa de resolução de investigação de qualquer crime, mas principalmente de crimes que deixam vestígios corporais.

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Propomos a extração do perfil genético (DNA) de todo condenado por crime doloso no Brasil. Significa passar um cotonete na boca do preso e enviar o material ao laboratório. Isso passa a compor um banco de dados, como se fosse uma impressão digital.

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Diante de um crime, a polícia busca vestígios corporais no local (fio de cabelo, por exemplo), identifica o DNA e cruza com o banco de dados. Tem um potencial muito grande para melhorar as investigações, evitar erros judiciários e inibir a reincidência.

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Temos já um banco de DNA no Brasil, mas muito modesto, com cerca de 20 a 30 mil perfis. Reino Unido tem seis milhões e Estados Unidos, doze milhões. Até o final do Governo, teremos nosso banco completo.

No Brasil, ainda usamos com timidez esses recursos de investigação. Mas estamos evoluindo. Veja abaixo. Evoluiremos muito mais com nosso banco ampliado e completo. pf.gov.br/imprensa/notic [4]

De acordo com o enlace:

A assessoria de imprensa escreve: Em Foz do Iguaçu “PF conclui laudo que aponta envolvimento de suspeito em três crimes. O laudo positivou quatro perfis de DNA colhidos em cenas de crime com o material fornecido por um suspeito. Mais um laudo pericial de genética forense, que aponta o envolvimento de novo suspeito na participação de três eventos criminosos investigados, foi concluído pela Polícia Federal. O laudo positivou quatro perfis de DNA colhidos em cenas de crime com o material fornecido por um suspeito preso no final de 2018. São eles: a) um perfil relacionado à execução do Agente Penitenciário Federal Alex Belarmino, homicídio ocorrido em Cascavel/PR, em setembro de 2016; b) dois perfis relacionados ao roubo à base da Prosegur, em Ciudad Del Este/Paraguai, crime ocorrido em abril de 2017; c) um perfil oriundo do roubo a uma agência do Banco do Brasil, localizada em Campo Grande/MS, em outubro de 2017. Dessa forma, o suspeito teve confirmada sua participação nos três eventos criminosos investigados. Tais informações foram possíveis pelo cruzamento do perfil genético do suspeito com os vestígios biológicos coletados nos respectivos locais de crime por meio do Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG). Esse banco armazena todos os dados de DNA coletados pela Polícia Federal e pelas polícias estaduais. Cópias do laudo serão encaminhadas às respectivas autoridades competentes para as providências cabíveis (BRASIL, 2019): https://bit.ly/2XRfaKk)

O Brasil, que se encalacrou no projeto de Steve Bannon[5], vive a onda da formulação de uma biopolítica de segurança pública intitulada Lei Anticrime (BRASIL, 2019 b), mas que chamarei aqui de Pacote Moro[6], que são um conjunto de leis voltadas à segurança das classes médias brasileiras, prevendo porte de armas a quem queira, redução da maioridade penal (que atualmente é de 18 anos) e licença policial para matar. No total o governo está tentando impor 14 leis que a maioria da população é contrária, de acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha e analisada por Mena (2019), maior instituto de pesquisa de opinião no Brasil, pertencente ao grupo Folha de S. Paulo.

Sérgio Moro também está organizando a territorialização da biopolítica por meio dos Centros Integrados de Operações de Fronteira (CIOF) que será organizado no modelo das Fusions Centers dos Estados Unidos, que integram todas as forças policiais e de inteligência em uma estrutura que controla determinado território com uso de alta tecnologia. A ideia central é fundir todos os dados e informações de todas as forças policiais e militares[7].

O projeto piloto do CIOF foi confirmado para Foz do Iguaçu onde juntou-se todo o aparato técnico e normativo já instalado, em uma região de atuação de Fabiano Bordignon, recentemente nomeado Chefe do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) por Sérgio Moro. Bordignon é ator atuante na política local e tem um artigo publicado sobre segurança de fronteira, cooperação internacional e comando tripartite. O texto está publicado pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), que afirma que é uma instituição sem fins lucrativos com o objetivo de criar “mecanismos que promovam a igualdade e a integração entre as regiões de fronteira, o fortalecimento das relações políticas, sociais e econômicas e o combate aos problemas próprios destas regiões, por meio de estudos, ações e projetos, atuando através de parcerias públicas e privadas.[8]

A centralidade do IDESF é produzir por trás, de um discurso social, uma relação com a segurança da fronteira e articulação de ações de segurança de fronteira. No final do mês de março de 2019, o IDESF foi selecionado pelo Combating Transnational Threat Networks – CTTN (Combate às Redes de Ameaças Transnacionais). De acordo com Amadori (2019), “Em curso nos EUA sobre ameaças transnacionais, Lava Jato é case de sucesso contra a corrupção”. Este é o título da matéria que detalha:

Entre os temas debatidos desde o início da semana estão alguns bem conhecidos nas realidades fronteiriças brasileiras, tais como o contrabando e o tráfico de pessoas. Também estão sendo abordadas a principais ameaças e como os governos as combatem. O curso tem participação de agentes públicos e de instituições de diversos países americanos. O IDESF é uma das duas únicas representações brasileiras selecionadas pelo CTTN para fazer parte do curso. Nas apresentações sobre o tema corrupção nas américas o Brasil é citado como case de sucesso com as investigações do caso Odebrecht, na Operação Lava Jato. O juiz Sérgio Moro também foi mencionado por sua atuação como agente de integração internacional, pois precisou contar com a colaboração de instituições estrangeiras para desmantelar quadrilhas formadas por políticos e empresários (AMADORI, 2019 a).

Em outra reportagem Amadori (2019 b) aponta para o seguinte título “Diretoria do IDESF cumpre agenda em Washington DC com temas de impacto na tríplice fronteira”. O texto relata um suposto sucesso do IDESF em sua missão. De acordo com a assessora de imprensa:

O presidente, Luciano Barros, cumpriu agenda no Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington DC. Barros apresentou para especialistas e consultores do BID estudos e projetos do Instituto para as regiões fronteiriças brasileiras […]

A diretora, Djéssica Martins, fez apresentação de trabalho no curso Combating Transnational Threat Networks ou Combate às Redes de Ameaças Transnacionais, promovido pelo Centro de Estudos de Defesa Hemisférica, dos EUA […]

O tema apresentado foi “Implementação de software de inteligência nos órgãos públicos de segurança de Foz do Iguaçu – Brasil, com foco no combate ao contrabando de cigarros, tráfico de armas e tráfico de drogas” […]

O trabalho foi elaborado a partir de uma proposta do IDESF para atuação integrada dos órgãos de segurança que combatem esses crimes nas fronteiras brasileiras, uma vez que as quadrilhas que operam com os três ilícitos têm, basicamente, o mesmo modus operandi […]

O tema é um dos eixos de atuação do IDESF em ações junto com parceiros desenvolvidas com objetivo de mitigar este que é um dos crimes de grande abrangência nas fronteiras do País […]

O curso CTTN reuniu lideranças das américas durante as duas últimas semanas em torno de temas relacionais aos crimes transnacionais. Por sua atuação em ações de segurança e defesa das fronteiras, o IDESF é uma das duas únicas instituições brasileiras selecionadas para fazer parte do curso, realizado em Whashington D.C nas duas últimas semanas […] (AMADORI, 2019 b).

O IDESF, por meio de suas matérias, página do Facebook, Podcast e canal do YouTube demonstram fazerem uma política de fronteira voltada para a estruturação da segurança e do controle territorial, estabelecendo a biopolítica do terceiro milênio, por meio de uma atuação policial e da centralidade do estado na condução dos fluxos, reforçando em suas páginas e publicações uma sociedade de controle, trazendo a tona o conceito estadunidense de “Tríplice Fronteira” e as supostas ameaças terroristas. Deste modo, os investimentos em nome do desenvolvimento são destinados para a necropolítica em nome de uma política do medo.

O que poderá ocorrer? A transterritorialidade e o contornamento continuarão mesmo com a topofobia e a necropolítica?

Considerando que os elementos dominantes da política de segurança na região partem da sua relação com a escala das fronteiras (e não da fronteira). Ó’ Tuathail (1996) alerta que esse fenômeno de dominação se relaciona com a geopolítica, podendo ser descrita como a produção “política internacional” como um “teatro”, onde a “produção” não é necessariamente a produção material, mas tornar visível a força do estado. Essa produção, portanto, está associada à “integridade e totalidade”. Nessa produção, os atores principais estão relacionados com a autoridade sobre a “ordem do todo”. O autor propõe a necessidade de se quebrar este paradigma. Para tanto, Tuathail propõe a retomada do pensamento de foucaultiano, considerando a emergência da geo-política. Tuathail parte da ideia de Foucault sob a qual a história é feita das contradições entre os poderes, das maiores estratégias dos estados, às pequenas táticas geo-políticas no habitat.

Ainda alinhado a esse raciocínio, Tuathail (2019) trata mais recentemente do fenômeno de borderização, que é a construção de barreiras físicas para transformar uma linha de conflito em uma fronteira internacional. Esse fenômeno ocorre em uma escalada a partir da política de Data Vanishvili e suas estratégias na Georgia a partir de 2008, ou seja, é um fenômeno datado e sua análise vai até 2018.

O autor pondera o fenômeno que as fronteiras também são locais de “política simbólica” para pequenos estados, mas que creio ter alguma relação com o atual teatro conflitivo na Fronteira Iguaçu-Paraná. Além disso, considerando os processos políticos de guerra psicológica a partir das Revoluções Coloridas, que engendraram grande parte da agenda protofascista contemporânea, penso que se pode fazer algumas correlações.

Haesbaert (2014) vai abordar questões como essa como sendo contenção territorial, que inclui a política de construção de novos muros nas cidades, mas que encontra sentido na noção de seguridad em Agamben, onde se aponta que o paradigma da ordem “gestiona el desorden”. Na contenção territorial os atores socialmente segregados praticam o contornamento tendo em vista os “constrangimentos” à circulação urbana, realizada por meio de uma prática ostensiva e reacionária dos agentes de segurança avalizados pelo estado.

A política somente na segurança de fronteira quebra até mesmo os princípios liberais do laissez faire ferindo uma das premissas centrais da democracia liberal que é o ir e vir. Em formações protofascistas, o território é móvel seletivamente, criando condições de conflitos e contradições sociais a partir dos investimentos centrados na segurança em detrimento dos pobres.

Eis que em territórios fronteiriços, alguns em especial, que são marcadamente multiterritoriais pela formação e redes de sociabilidade como é o caso desta fronteira, temos o trânsito permanente de “brasiguaios”, “paraleños”, “brasentinos”, “argeleiros”, “paratinos” y “argeleños”. Nessa condição temos forte mobilidade da capital-trabalho e de redes sociais entre os três países, especialmente povos indígenas que permanecem em meio aos conflitos da segurança pública e Usina de Itaipu Binacional. Entretanto, a forte mobilidade demarca trânsitos intensos e, portanto, transterritorialidades, que, dados os inúmeros constrangimentos estabelecidos pelos estados, colocam na mesa novas políticas de escala (SMITH, 1992) e, portanto, de contornamento (Haesbaert, 2014) realizados pelos trabalhadores na fronteira.

Nessa luta cotidiana entre a seguridad e a sobrevivência, reafirma-se a soberania do soberano, baseada no uso da força e da violência nos mais elevados níveis: morais, simbólicos e físicos. Na base dessa violência é que se encontra a necropolítica, ou seja, na ideia de que “a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer” (Mbembe, 2016, p. 123), por isso, continua o autor “matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder”. O que decorre dessa política é uma paisagem de fronteira marcada pelo medo da violência (Tuan, 2005) e, o que era para ser uma política de seguridad, torna-se um biopoder que reproduz a in-segurança e o des-controle.

Considerações finais

Procurei demonstrar neste artigo relacionar o uso de uma noção coisificada de Tríplice Fronteira à sua reprodução ideológica que reforça os estereótipos fronteiriços, e que efetivamente não contribuem para o desenvolvimento da fronteira, especialmente em uma região carente do ponto de vista social e econômico, e altamente desigual.

A política de exceção estabelecida com foco central na segurança pelas três cidades não leva em consideração que ela mesma é produtora da miséria, reproduzindo miséria, mão-de-obra para o tráfico de drogas, para o contrabando, descaminho. As consequências de uma política de segurança pública baseada no medo levam ao aumento da violência, conforme ficou demonstrado em outras ocasiões recentes no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro.

Os desejos por integração estão se distanciando na medida em que os estados na fronteira se armam, elevando rivalidades e ressentimentos, dificultando políticas de desenvolvimento. No limite, vivemos uma era dos discursos e políticas que atendem principalmente aos interesses dos agentes de segurança e das classes médias (onde se apresentam poucas contrapartidas sociais como é o caso do combate ao tráfico humano). O combate ao tráfico de drogas não está articuladas com a recuperação e com o ensino, bem como o acolhimento para redução de danos.

Por isso, utilizar o termo Tríplice Fronteira é reforçar a geopolítica em detrimento das geo-políticas e da solidariedade entre os povos. Por outro lado, estabelecer o nome Fronteira Iguaçu-Paraná não é falar de um mero topônimo, mas uma denominação efetivamente geográfica que não quer reconhecer a clivagem, além de fazer jus às especificidades. O “tri-border area” mundialmente reconhecido, a coloca como uma região de tutela e, não seria o papel crítico dos intelectuais reforçar uma ideia geopolítica.

Caberia, por fim, compreendermos que em uma fronteira tão diversa, existem várias camadas escalares e políticas de mobilidade que daria uma unidade mais solidária entre os povos na fronteira, permitindo articular a seguridad necessária de modo harmonioso com os interesses da sociedade como um todo, em detrimento de uma sociedade de controle.

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  5. Para Steve Bannon, assessor político e principal ideólogo da extrema-direita mundial: “Bolsonaro e Salvini são os melhores representantes do movimento nacional-populista”. Bannon fez essa afirmação para o jornal El País em 25-03-2019 para o jornalista italiano Daniel Verdú (2019).
  6. “Pacote Moro” é o termo que a oposição está utilizando para se referir à Lei Anticrime e à conduta duvidosa do ex-juiz Sérgio Moro. De acordo com Veras (2019), “Se aprovadas, as medidas vão legitimar injustiças e inconstitucionalidades”.
  7. Para maiores detalhes acessar Homeland Security http://bit.ly/38s3dAE. Acesso em 28-04-2019
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