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3 A Intendência Geral da Polícia
de Pina Manique

Prevenir, controlar e punir o crime em Lisboa
nos finais do Antigo Regime

Maria Luísa Gama[1]

O fim das leis é a felicidade dos povos, para os manter em paz, em tranquilidade e em justiça.[2]

A historiografia internacional tem salientado que a discussão teórica sobre a criminalidade e a justiça penal foi particularmente relevante durante a segunda metade do século XVIII, tendo, entre outras consequências, transformado as formas de atuação dos dispositivos de controlo e vigilância do espaço então existentes (Milliot, 2007), que aliadas a novas práticas na justiça, tiveram um papel fundamental na estruturação da administração pública dos Estados Modernos (Napoli, 2003).

Estudos demonstram que ao longo do século XVIII, e à medida que se desenvolveram, dentro de cátedras universitárias e não só, ideias reformistas sobre a economia pública, também alguns governantes tentaram implementar novos instrumentos governativos, que proporcionassem resultados desejáveis nesse campo (Keith Tribe, 1995). A criação de organismos policiais é, frequentemente, descrita como um meio importante para concretizar objetivos políticos (Subtil, 2013) e económicos que, somados, promoviam o fortalecimento e enriquecimento públicos (Cunha, 2011).

Em Portugal, a historiografia tem evidenciado a concretização de algumas destas ideias através da aplicação de determinadas reformas, entre o terramoto de 1755 e o início do liberalismo, acompanhando assim a Policeywissenchaft, uma nova ciência governativa em desenvolvimento nalguns estados europeus (Cardoso & Cunha, 2012). As Ciências de Polícia, para além de proporem uma reflexão sobre os mecanismos de funcionamento do Estado (Hespanha & Subtil, 2014) visavam, especialmente, promover o enriquecimento e o crescimento populacional, através de diversas disciplinas, entre as quais, a agricultura, as manufaturas, a gestão urbana, a segurança pública e a saúde das populações (Laborier et al., 2011).

António Manuel Hespanha e José Subtil (2014) salientaram que, dentro desta cronologia, o reinado de D. José foi marcado por reformas político-administrativas com o objetivo de afastar uma administração passiva, própria da Monarquia Corporativa, adotando novos instrumentos governativos com o propósito de intervir em todas as esferas públicas (Hespanha & Xavier, 1993, p. 137-145).

Percebe-se uma mudança de perceção sobre aquelas que deveriam ser as tarefas governativas, entendendo-se que se deveria promover uma administração mais articulada em diversos aspetos da vida pública, entre os quais se contavam o controlo dos comportamentos sociais, nomeadamente aqueles que conduziam à violência e ao crime (Schiera, 1984). Neste contexto, para além de surgiram novas figuras políticas, como os Intendentes e os Superintendentes (Subtil, 2020), responsáveis pelo desenvolvimento destas áreas, as reformas também se consubstanciaram na criação de novos órgãos governativos, entre os quais a Intendência Geral da Polícia. Este momento, caracterizado por Subtil (2007) como um Terramoto Político, demonstra a implementação de uma administração mais ativa e de promoção dos negócios públicos com a racionalidade e eficiência necessárias para promover a felicidade pública (Hespanha, 1993b, p. 321).

Ainda que em Portugal vigorasse uma série de legislação sobre formas de policiamento, a segunda metade do século XVIII e, em particular, o terramoto de 1755, veio colocar a descoberto a necessidade de reformas neste campo. A Intendência Geral da Polícia, inspirada no modelo francês[3] e tutelada pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, foi criada como uma resposta do Estado Moderno aos fenómenos da violência e da criminalidade que, embora próprios de qualquer sociedade, se agudizaram com a terrível devastação causada pela catástrofe (Ribeiro, 2012, p. 106–110).

Analisando os dois documentos, o francês e o português,[4] percebe-se que o conceito de polícia não tinha uma definição singular. Estamos perante uma palavra que, na época, tinha um significado polissémico e que dava à instituição um caráter e objetivos diferentes daqueles que conhecemos e reconhecemos como polícia nos séculos XX e XXI. Como assinalou Foucault, a polícia, no fundo, representava “o conjunto de meios pelos quais é possível fazer as forças do Estado crescerem, mantendo, ao mesmo tempo a boa ordem desse Estado” (2008, p. 421). O conjunto de meios pode resumir-se nas palavras empregues por Francisco Coelho de Sousa Sampaio “Os meios são principalmente a cultura das Disciplinas, o aumento da População, a saúde dos Povos, o Comércio, a Agricultura, as Manufaturas” (Sampaio, 1793, pt. VI). A polícia, enquanto objeto de múltiplas dimensões e competências, teve um lugar preponderante como instrumento de atuação no “contexto das tecnologias da disciplina social” (Hespanha, 1993a, p. 253), mas também enquanto área de intervenção pública, assente no ius politiae, através do conjunto de meios assinalado por Foucault e tão bem descrito por Sousa Sampaio.

O funcionamento da Intendência Geral da Polícia foi delimitado dentro de um quadro institucional bem definido, já abordado por Maria Alexandre Lousada (1996), José Subtil (2013), Laurinda Abreu (2013), pelo que, de momento não nos deteremos nele, nem nos vinte anos que decorreram entre a criação do órgão e a entrada de Pina Manique na Instituição. Todavia, nunca é de mais salientar que o alvará de 25 de junho de 1760 estabeleceu as competências da Intendência e que este documento normativo regulou a ação do Intendente e a dos magistrados que dele dependiam e sobre os quais detinha uma “ampla e ilimitada jurisdição” (Freire, 1966, p. 119), até a extinção do organismo em 1834. O Alvará entregou a um único magistrado matérias que, até então, andavam dispersas por várias jurisdições (Marcos, 2006, p. 68). Reorganizou-se um quadro legal pré-existente, com o objetivo de clarificar as leis que regulavam a segurança pública da corte e do Reino, para lhes dar maior agilidade e eficiência, cobrindo assim melhor as necessidades da população, numa área cada vez mais central para as coroas europeias. Este é um exemplo de reestruturação do quadro institucional do período josefino, que teve em conta experiências efetuadas noutras cortes europeias, que também já haviam promovido a separação entre a polícia e a justiça,[5] ideia que, aliás, Montesquieu explorou no Espírito das Leis (2011, p. 682-683).

A 17 de janeiro de 1780, D. Maria I nomeou Diogo Inácio de Pina Manique Intendente Geral da Polícia,[6] complementando o documento promulgado a 15, no qual a Coroa “pretendeu dar uma nova forma […] a um objeto de tanta importância. Reafirmou todo o quadro legal anterior, o que inclui, naturalmente, a subordinação dos magistrados em matérias criminais ao Intendente Geral da Polícia, a responsabilidade deste em acompanhar “todos os crimes de armas proibidas, insultos e conventículos, sedições, ferimentos, latrocínios e mortes” e o controlo de “pobres mendigos e vadios, que nutriam os vícios mais prejudiciais ao sossego público e ao bem comum”. Também lhe foi dada a possibilidade de intervir na punição dos criminosos, em situações muito específicas e delimitadas neste parágrafo:

como sucede haver crimes, que não necessitem de outro castigo, mais do que alguma correção, poderá o mesmo Intendente Geral nestes casos prender aquelas pessoas, que a merecerem, conservando-as na prisão o tempo que julgar proporcionado à desordem que tiverem cometido e lhe parecer necessário para a emenda.[7]

No entanto, e ainda dentro do campo punitivo, o Intendente perdeu a faculdade de fazer visitas às cadeias, que regressou para a jurisdição do Regedor da Casa da Suplicação.[8] Meses depois, em maio, conquistou novas atribuições e passou a ter competências nas áreas da higiene, limpeza e saúde públicas na cidade de Lisboa que, até então, tinham estado debaixo da jurisdição do Senado da Câmara, acompanhadas do produto dos impostos sobre os reais e realetes da carne e do vinho[9] para financiar as novas competências (Fernandes, 1999, p. 59-84). Visivelmente, o processo político-administrativo desenvolvido pela Coroa e que permitiu à Instituição consolidar os propósitos definidos em 1760, aproximou a polícia da definição que o padre Rafael Bluteau lhe atribuiu anos antes (1712, p. 575).[10]

É impossível falar da reforma de 1780 sem mencionar a criação da Casa Pia de Lisboa, concretizada em maio desse ano. Neste aspeto, acompanhamos Laurinda Abreu (2013, p. 430-441) na ideia de que a Casa Pia foi, talvez, o instrumento mais importante na estratégia que Pina Manique definiu para implementar em Portugal “uma verdadeira polícia como se vê praticada noutras cortes polidas da Europa”,[11] pois este foi o centro de uma política pensada e organizada para transformar “pessoas viciosas” em pessoas capazes para o serviço de Sua Majestade, depois de ali serem “ensinados, educados e guiados por meio de uma sempre continuada ocupação”.[12]

Este estudo, centrado no caso português, pretende explorar algumas práticas desenvolvidas pela Intendência Geral da Polícia para controlar, prevenir e punir o crime em Lisboa nos finais do Antigo Regime, a partir dos fundos documentais da Intendência Geral da Polícia e do Ministério do Reino, ambos à guarda da Torre do Tombo. A documentação que se encerra nestes dois fundos cobre todo o país, mas contempla especialmente a Corte e oferece ao leitor uma perspetiva rica sobre o quotidiano da cidade nos finais do Antigo Regime, permitindo-nos obter um retrato sobre a circulação dos criminosos, do tipo de crime cometido e do grau de atuação da polícia. Possibilita igualmente avaliar o papel da Intendência Geral da Polícia na implementação de uma política de segurança pública mais eficiente em Lisboa, através de temas complexos, de grande variedade temática, profundamente ligados à vida social, económica e política da cidade (Lousada, 1996).

A Polícia de Pina Manique: controlo da criminalidade em Lisboa nos finais do Antigo Regime

A 14 de novembro de 1781, num ofício dirigido ao Visconde de Vila Nova de Cerveira, então Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Pina Manique teceu algumas observações sobre a cidade de Lisboa, nas quais evidenciou a situação difícil vivida pelos habitantes da capital do Reino:

Sendo tão repetidos os roubos, desordens e ferimentos que de próximo têm acontecido nesta corte que […]os oficiais de justiça, por serem poucos não podem bastar […] nem resistir ao número dos facinorosos e malfeitores que tão descarada e atrevidamente andam movendo rixas, cometendo mortes e ferimentos.[13]

Ao longo dos anos seguintes descreveu situações idênticas, utilizando adjetivos mais ou menos semelhantes, não só nos ofícios enviados regularmente para as Secretarias de Estado, mas também nas trocas de correspondência com os magistrados da cidade de Lisboa e de outras partes do Reino. O cenário difícil relatado por Pina Manique era semelhante a outros, expressos em relatos de estrangeiros que tiveram a oportunidade de visitar a cidade ao longo da segunda metade de Setecentos e que legaram para a posteridade o retrato de uma cidade particularmente suja e violenta, frequentemente perturbada por furtos, assassinatos e roubos (Ruders, 2002, p. 29). No entanto, apesar de ser um cenário complexo, parece não destoar de outros que foram descritos no mesmo período, tendo, porém, como pano de fundo outras cidades europeias, com algumas características semelhantes (Alloza, 2000). A violência e a criminalidade estavam e estão, naturalmente, presentes em todo o tipo de espaços e cronologias históricas, mas tanto no passado como no presente tendem a agravar-se em espaços urbanos, mais heterogéneos e com maior circulação de pessoas (Farge, 1992).

A cidade de Lisboa apresenta-se, a partir da segunda metade do século XVIII, como uma cidade em profunda transformação, não só no que diz respeito ao espaço físico, mas também na sua composição social e número de habitantes. Note-se que, no final do século XVIII, cerca de 6% da população portuguesa estava concentrada na cidade, estimando-se esse número em cerca de 164.700 habitantes (Moreira & Veiga, 2005, p. 46). O Censo de 1801 veio comprovar uma tendência que há muito se verificava, Lisboa era a maior urbe do país (F. de Sousa, 1979), albergava um número muito significativo de estrangeiros e, devido à intensa atividade portuária, era também uma porta de entrada e saída de população, vinda de outros pontos do Reino ou de saída para outros espaços, nomeadamente atlânticos. Considerando estes dois fatores, aos quais podemos incluir a presença da Corte e das principais instituições governativas, Lisboa, era um dos locais mais heterogéneos do país. Uma cidade habitada por pessoas de diferentes categorias sociais e profissionais, incluindo diversas comunidades estrangeiras, que conviviam e interagiam num espaço relativamente pequeno, que, então, se distribuía por doze bairros (Camarinhas, 2010, p. 116-117).[14]

A criação da Intendência Geral da Polícia trouxe, naturalmente, algumas alterações às funções habituais dos magistrados, pois todas aquelas que tinham uma natureza eminentemente policial ficaram sob a alçada do Intendente.[15] Note-se que, ainda que criada com o propósito de atuar em todo o país, cremos que a intervenção mais direta e aprofundada da Intendência fez-se sentir, especialmente, em Lisboa, através da maior proximidade com os magistrados criminais que, funcionavam como os braços principais do Intendente na cidade.[16]

A documentação analisada permite-nos perceber que há problemas que se repetem com grande frequência: roubos, furtos, deserções, insultos e ferimentos em espaços domésticos ou de sociabilidade. Sobre a criminalidade e a visão que dela nos oferecem tanto os relatos dos viajantes estrangeiros como Pina Manique, é um assunto em que medir a veracidade de algumas informações é complexo, pois não há muitas outras fontes com as quais seja possível confrontá-las. Como sabemos, apesar de encontrarmos alguns exemplos de inquéritos criminais,[17] para este período em concreto não exemplos de estatísticas criminais que nos permitam conhecer números absolutos de crimes cometidos numa determinada região. Em relação aos estrangeiros, as observações que narram sobre o país em geral e Lisboa em particular são habitualmente negativas e quanto ao Intendente, é necessário ter presente a hipótese de este exagerar em algumas afirmações para obter os meios e condições de policiamento que achava necessários para a cidade e que a Coroa, através dos Secretários de Estado, não lhe proporcionava.[18] Note-se, contudo, que os ofícios enviados por magistrados de diversas partes do País para a Intendência não usavam um tom muito diferente, pelo contrário.[19]

A presença dos soldados na corte também levantou alguns problemas, que iam além das deserções habituais (Costa, 2010). Juízes e corregedores do crime, bem como oficiais das rondas volantes, davam conta da presença destes homens pelas ruas, fora de horas,[20] cometendo desacatos em tabernas, que geralmente incluíam não só pequenos crimes, como insultos, mas também delitos de maior proporção como ferimentos e desobediência à justiça.[21] Neste caso em particular não era possível resolver o problema sem a colaboração dos chefes dos regimentos, a quem foi exigido que atuassem com severidade, pedido que complementou com ordens específicas aos ministros da corte para que prendessem, durante uma noite, qualquer soldado que fosse encontrado nas ruas depois do sino corrido.[22]

O problema da deserção parece ter-se agudizado no final do século e Pina Manique procurou dar-lhe especial atenção. Tirar das prisões para os regimentos era uma solução prática e apropriada aos fins da utilidade pública, mas também se adequava ao novo cargo que o Intendente passou a desempenhar a partir de 1801, o de responsável pelo Recrutamento Geral do Reino. Saliente-se, tal como o fez Ana Sofia Ribeiro (2012, p. 131–152), que este tipo de criminalidade, que envolvia desacatos, insultos e ferimentos, levada a cabo não só por soldados, mas também por homens de mar (marujos, marinheiros, entre outros), sobretudo em tabernas, era comum em cidades portuárias, mas obrigou ao reforço da vigilância junto do porto em 1781, no rescaldo do famoso assalto contra o navio sueco, do qual resultaram várias vítimas.[23]

“Prevenir os delitos antes de perpetrados”:[24] algumas estratégias

Para dar resposta aos problemas elencados nas páginas anteriores, não bastava produzir medidas repressivas avulsas. O próprio Intendente percebeu desde cedo que necessitava de delinear estratégias e ações concertadas a longo prazo, para obter os resultados que achava desejáveis e próprios do lugar que lhe tinha sido concedido. Pina Manique tentou implementar políticas de contenção da criminalidade em duas vertentes: perseguição, simples ou articulada, dos criminosos, auxiliado por um bom sistema de rondas, complementado pela iluminação pública noturna, que Lisboa, ao contrário de Paris, ainda não tinha; e medidas de punição eficazes, alicerçada nas competências que a Rainha lhe atribuiu em janeiro de 1780.

A iluminação da cidade foi um dos primeiros planos a ser colocado em prática pelo Intendente, ainda no mesmo ano em que ocupou o lugar. A 17 de novembro de 1780 foram inaugurados os 750 candeeiros construídos para o efeito. No entanto, e como é largamente sabido, este recurso revelou-se demasiado dispendioso e em 1792 deixou de ser utilizado, ficando suspenso até 1802 (Cardoso, 2000).

Carl Ruders (2002) viajante que passou pela cidade de Lisboa em 1798, para além de apontar a ausência da iluminação noturna como uma falha na prevenção do crime, assinalou negativamente o modo como as patrulhas atuavam dentro da cidade, denotando-se, através das suas palavras, a pouca eficácia destas, com a qual Pina Manique se desesperava com frequência.[25] No ofício já referido, de 14 de novembro de 1781, o Intendente explicou ao Ministro da Rainha que havia solicitado o reforço das rondas noturnas, através do auxílio dos quartéis dos regimentos da guarnição da corte, para voltar a proporcionar sossego público aos habitantes da capital. Instigou constantemente os magistrados criminais da cidade de Lisboa a intensificarem os esforços para controlar a criminalidade na cidade, através do reforço das rondas policiais para prender os bandidos, pois era frequente que muitos escapassem para se esconderem no sul do país, onde mais facilmente escapavam à justiça, podendo até fugir para Espanha.[26] Pediu-lhes também a máxima atenção e honestidade no desempenho das suas funções, insinuando que se deixavam corromper pelos bandidos ou que por vezes negligenciavam as ordens que lhes eram dadas, o que naturalmente causava danos à segurança pública.[27] Mas, apesar dos insistentes pedidos de reforços que Pina Manique fez ao longo dos anos, implementar um sistema de rondas eficaz revelou-se uma tarefa praticamente impossível. Não havia homens em número suficiente para o fazer, quem não podia deixar de fazê-lo participava com pouco zelo, por falta de meios e de remuneração adequada e outros a que a elas estavam obrigados por lei, pediam dispensa.[28] Efetivamente, prevenir o crime com o auxílio das rondas parecia uma tarefa praticamente impossível e os resultados obtidos eram, provavelmente, ineficazes (Denys, 2003).

Ao acusar, múltiplas vezes, os magistrados locais de não cumprirem as ordens dadas, nem usarem as estratégias por si planeadas, culpava-os pela ausência de respostas adequadas aos problemas que a Capital enfrentava. Os anos de 1797 e 1798 foram particularmente difíceis, conforme se pode inferir pelos ofícios que enviou a diferentes Secretários de Estado e pela descrição que o alemão Heinrich Friedrich Link, que então viajava pelo país, fez da cidade de Lisboa durante esse período. Criticou a ausência de iluminação pública, um dos mais importantes instrumentos de prevenção da criminalidade e que, ao ser eliminada, não se conseguia evitar que uma “horda de bandidos percorresse a cidade”, cometendo assassinatos quase todas as noites (2005, p. 121-124). Ainda que tenhamos de considerar o provável exagero destas afirmações, a verdade é que Pina Manique, confrontado com o aumento do número de ladrões que assaltavam não só as casas, mas também os integrantes das rondas da polícia, viu-se forçado a traçar uma nova estratégia preventiva, colocando em prática, por várias vezes, a lei de 20 de outubro de 1763,[29] criada precisamente num contexto idêntico, para intimidar e conter os criminosos.[30]

Podemos ainda considerar como metodologia de prevenção um outro recurso cultivado pela polícia: a denúncia.[31]Anónima ou não, feita através de “moscas” (espiões) ou por simples habitantes da cidade perturbados por algum delito, a denúncia foi incentivada pelo Intendente Geral da Polícia, com intuito de perseguir, prender e punir adequadamente os criminosos.[32] A recompensa pretendia atrair as vítimas dos crimes, que inúmeras vezes silenciavam as ocorrências com medo de represálias.[33] Neste ponto Pina Manique foi mais além. Percecionando que, para montar uma política preventiva eficaz, a denúncia dos crimes era fundamental para chegar até ao criminoso e direcioná-lo para uma punição útil, interessava-lhe atrair os denunciantes, sem colocar em causa a sua segurança, pois ao sentirem que a justiça era fraca e com isso colocavam em causa a própria vida, não ajudavam a polícia. A implementação deste sistema de denúncias, e a promoção que dele fez junto dos Secretários de Estado trouxe ao Intendente a oportunidade de criticar abertamente o sistema judicial por não fazer cumprir as sentenças aplicadas aos réus de crimes condenados, que assim, na primeira ocasião não perdiam a oportunidade de se vingarem dos denunciantes. Como tal, o medo de represálias que compelia as vítimas ao silêncio, era prejudicial à polícia, perturbando as práticas de prevenção da criminalidade.[34]

Aqui chegados, parece-nos relevante recordar as palavras empregues no diploma de 05 de março de 1790, utilizadas como epígrafe deste artigo: o principal fim das leis “é a felicidade dos povos, para os manter em paz, em tranquilidade e em justiça”.[35] Assim, considerando que a legislação não era aplicada convenientemente e não se retiravam os benefícios esperados de um instrumento preventivo (a lei), nem do sistema judicial que devia, igualmente, funcionar como um fator de dissuasão do crime, permite-nos concluir que, para o Intendente, uma parte importante da política preventiva da Coroa falhou e, por conseguinte, impediu-o de atingir os objetivos a que se tinha proposto a esse respeito.

As medidas elencadas anteriormente tinham como objetivo prevenir e evitar o crime ou, não o conseguindo fazer, levar os criminosos mais facilmente à prisão, onde deveriam esperar uma punição adequada aos delitos cometidos. Punir significava aplicar um remédio a um mal cometido (J. J. C. P. e Sousa, 1803, p. 18). Um desígnio que era de reparação, mas também de prevenção, pois serviria de exemplo e contenção para outros.

Punir para corrigir: o papel da Casa Pia de Lisboa

Como já observámos, a possibilidade de punir para emendar ficou definida na reforma de 15 de janeiro de 1780, momento em que o Intendente Geral da Polícia, passou a ter a capacidade de intervir, ainda que limitadamente, na punição de criminosos que não necessitassem “de outro castigo, mais do que alguma correção.”[36] Encaramos esta possibilidade como uma oportunidade de aplicar as penas correcionais da polícia, tal como foram definidas pelo jurista Joaquim Caetano Pereira e Sousa, implicando “privar o réu da liberdade por algum tempo e [castigar] com essas penas aqueles que cometeram crimes menos graves e que não anunciam no agressor total perversidade” (1803, p. 26). No entanto, tal não significou que os réus fossem abandonados à sua sorte na prisão: “enquanto estão privados de liberdade é necessário ocupá-los em trabalhos que eles possam continuar depois de recuperarem a liberdade. De outra sorte se tornam piores que dantes” (J. J. C. P. e Sousa, 1803, p. 25). O objetivo das penas correcionais da polícia era o de serem úteis ao criminoso e o Estado, propósito que partilhou com Diogo Inácio de Pina Manique.

Em janeiro de 1780, num ofício que dirigiu a todos os Magistrados da Corte o Intendente resumiu, numa frase o seu pensamento sobre a ligação entre a criminalidade a pobreza e que, no fundo, norteou a sua atuação neste campo durante os 25 anos que se seguiram: “Nesta cidade e seu termo vivem muitas famílias recolhidas nas suas casas, que padecem de inumeráveis necessidades”.[37] “A falta de trabalho, em que ocupar-se honestamente, tem precipitado muitas pessoas nas prostituições, roubos, assassinos e mais crimes que se estão perpetuando”. A pobreza constituiu, nas palavras de Pina Manique, um dos motivos que “precipita nos mais negros e horrorosos crimes as populações”.[38]

Nestas linhas, Pina Manique expressou a sua preocupação com quem tinha tão parcos rendimentos, que não via outra solução que não passasse por cometer delitos por uma questão de sobrevivência. Como Laurinda Abreu (2013, p. 434-441) demonstrou, o Intendente, tal como outros teóricos seus contemporâneos, não encarou a simples distribuição de esmolas como uma solução para o problema, pelo contrário, era necessário ir além de uma solução simplista, que fosse verdadeiramente preventiva e ao mesmo tempo utilitária. Considerando as duas necessidades, pobreza e dificuldades de sustento, as propostas de Pina Manique estruturam-se em torno da ideia de que era necessário ao Estado criar um sistema que não só proporcionasse aos mais necessitados alguma forma de subsistência, mas também um trabalho, para prevenir que os pobres caíssem no crime.

Como é sabido, as prisões não eram historicamente espaços destinados à correção social do indivíduo, pois, entre outros fatores, as suas estruturas físicas, habitualmente danosas para a saúde dos reclusos, como o relembram as palavras de Ribeiro Sanches (1756, p. 131) e do próprio Pina Manique nem sequer o permitiam (Abreu, 2013, p. 198). Para tal foi criada, em maio de 1780, a Casa Pia, um local criado com o objetivo de “promover a indústria, e empregar as pessoas miseráveis e necessitadas, para que lucrando as vantagens e as utilidades, que lhe provém da mesma indústria, lhes sejam menos onerosas as previsões que traz consigo a indigência como […] se está atualmente praticando em todas as Cortes e Reinos mais da Europa”.[39]

As políticas de Pina Manique, tanto em relação ao encarceramento por sua ordem como a transferência de presos para a Casa Pia, tinham subjacente o afastamento dos marginais do espaço público, mas também a ideia de que a prisão nunca deveria ser um fator de desperdício de recursos, não só financeiros, mas sobretudo humanos, devendo significar uma emenda produtiva ao serviço da felicidade pública. A prisão às ordens do Intendente era assim um primeiro passo dentro das políticas sociais da Intendência, abrindo a possibilidade, logo depois, para que essa reclusão fosse útil, produtiva, servindo também aos interesses do Estado. O seu projeto passou quase sempre por três vetores, que poderiam ou não ser combinados: o trabalho, o casamento e a família. Era através destes que Pina Manique pretendia quebrar o ciclo de pobreza e reintegrar socialmente estas pessoas, canalizando desde logo meios, financeiros e humanos, para o desenvolvimento de vários sectores, como a agricultura e indústrias, tão necessários para a diminuição da pobreza (Freire, 1968, T. X, §16). O trabalho manufatureiro era a principal ocupação profissional relacionada com a Casa Pia. Os homens da Casa de Força trabalhavam nos teares de linho e seda e as mulheresm nas fiações.[40]

Para além do trabalho, homens e mulheres poderiam ser também regenerados através do casamento entre si e, por conseguinte, criando uma nova família, que poderia ter diversos propósitos úteis, entre os quais o povoamento de regiões que precisavam de braços para trabalhar. Desde 1780 que se providenciaram diversos dotes para os matrimónios. Muitos destes novos casais, alguns deles constituídos por prostitutas já com alguma idade, foram logo depois enviados para o Alentejo, zona do país com crónicos problemas de desertificação. Lá tinham à sua espera uma casa e meios para se sustentarem, pelo menos nos primeiros tempos.[41] As novas famílias, regeneradas para se transformarem em “novos núcleos produtivos” (Abreu, 2013, p. 200), tinham para o Intendente o mesmo valor transformador e reformador do trabalho. Para estas pessoas a situação constituía uma oportunidade de começar uma nova vida, com a oportunidade de quebrar o ciclo de criminalidade e pobreza em que até então tinham vivido.

Para controlar o comportamento de todos aqueles que saíam das prisões ou da Casa Pia, Pina Manique criou uma verdadeira rede de vigilância social, utilizando para esse fim os corregedores e juízes do crime que lhe estavam subordinados. Ao saírem com a condição de se integrarem na família e no bairro onde viviam, eram sujeitos a uma observação constante. Quem não se tivesse emendado era ameaçado com nova prisão e punições superiores.[42]

O Intendente confrontou-se ao longo dos anos com múltiplas dificuldades de implementação dos seus planos úteis de erradicação da pobreza e, por conseguinte, de prevenção da criminalidade. Tentou reproduzir o modelo da Casa Pia de Lisboa noutros pontos do país, mas o projeto não foi concretizado (Abreu, 2013, p. 162–169). Os problemas financeiros, com os quais se deparou desde o início, e que o levaram, por exemplo, em 1783, a propor que os rendimentos do Bispado de Évora e Viseu fossem aplicados durante alguns anos ao estabelecimento da Casa Pia, para se socorrerem os mendigos[43] não permitiram, entre outros aspetos, resolver o problema de sobrelotação da Casa Pia, que impossibilitou a entrada de um número maior de pessoas que pudessem, a partir desse ponto, corrigir-se e ter um destino útil.

Conclusão

No seguimento de trabalhos de José Subtil (2013), Laurinda Abreu (2013) e Ana Sofia Ribeiro (2012), procurámos observar os esforços desenvolvidos por Pina Manique para, através de várias ações concretas ou de propostas de atuação apresentadas a diferentes interlocutores, controlar, prevenir e punir o crime em Lisboa nos finais do Antigo Regime.

O Intendente Geral da Polícia, conhecedor do ideário jurídico, económico e social europeu da sua época, tentou implementar uma estratégia concertada de gestão da criminalidade, mobilizando os magistrados locais e impulsionando um sistema de rondas adequado, a par de uma iluminação pública noturna, à semelhança do que acontecia há largo tempo em Paris. Indo mais além, percebeu que punir adequadamente um criminoso também significava prevenir, o que se adequava à ideia de “penas correcionais da polícia” explicitada por Joaquim Caetano Pereira e Sousa.

As penas correcionais da polícia assentavam-se na ideia de que enquanto se privava o réu da liberdade era necessário ocupá-lo em trabalhos que pudesse continuar após sair do local de detenção. Nada mais próximo dos objetivos definidos por Pina Manique para a Casa Pia desde o momento em que esta começou a funcionar em 1780, na dependência direta da Intendência, não se dissociando das inúmeras propostas para “erradicar a pobreza”, que circularam entre juristas e intelectuais deste período, conforme as interpretações de Maria Antónia Lopes (2000) e Laurinda Abreu (2013).

Apesar dos múltiplos planos não concretizados e de outros que não obtiveram os resultados esperados, Pina Manique, através da Intendência Geral da Polícia, em articulação com as prisões e a Casa Pia, tentou implementar de forma sistemática e alicerçada num projeto político estruturado, a ideia de uma punição útil não só para a emenda do criminoso, como também para prevenção contra novos delitos, ideia que já se utilizava noutros Estados europeus, nomeadamente na Europa Central (Spierenburg, 2007). Ao punir os criminosos com a pena de prisão e, em seguida, obrigá-los a passar pela Casa Pia, onde encontravam os “meios para ocupar os homens, e livrá-los do precipício da pobreza”, Pina Manique tentou através da educação, da formação moral e profissional, combinadas com o casamento e o trabalho, emendar todos aqueles que, segundo as suas palavras, poderiam ser úteis nos “trabalhos da agricultura, das fábricas, e das artes fabris”.[44] No fundo, as políticas sociais do Intendente tinham o propósito de dar ferramentas que pudessem afastar o criminoso da indigência, impedindo-o de reincidir no crime. Se o Estado socorresse os indigentes empregando-os nas mais diversas necessidades públicas, para além de lhes proporcionar um meio para a correção estaria a torná-los úteis para toda a sociedade. Note-se que estas conceções afastavam a condenação do criminoso através das penas tradicionais substituindo-as por penas úteis, pelas quais toda a comunidade pudesse obter benefícios, mas sem que a punição deixasse de ser justa e proporcional ao crime praticado (Romão, 2015, p. 112–113), tal como defendeu Beccaria (1998).

A partir de 1801, quando ficou igualmente responsável pelo recrutamento militar, as contingências da guerra e a reforma ocorrida na Instituição, com a criação da Guarda Real da Polícia nesse mesmo ano, vieram sobrepor-se a tudo o resto, ao qual se juntou todo um novo ambiente político que não compreendia a utilidade das suas políticas e principalmente os gastos com a Casa Pia.[45] Pina Manique entendeu, pouco tempo antes de morrer, que o seu legado era frágil e que muito havia ficado por cumprir. O projeto que procurou implantar e que à semelhança do próprio conceito de polícia, abarcava quase toda a totalidade do governo da polis, pouco sobreviveu à sua morte em junho de 1805.

Fontes

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  2. Leis e Ordenações, Coleção de Leis: maço 8, nº 35.
  3. Ministério do Reino – livro 327; maço 454.

II. Fontes Impressas

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  1. Membro integrado não-doutorado do CIDEHUS-UÉ (UIDB/0057/2020). Doutoranda do Programa Interuniversitário de Doutoramento em História (UL, ISCTE-IUL, UCP, UÉ). Bolseira de Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/84464/2012).
  2. ANTT. Leis e Ordenações, Coleção de Leis, maço 8, n.º 35, 05 de março de 1790.
  3. Denis, V. (2008). Édit de mars 1667 créant la charge de lieutenant de police de Paris. Criminocorpus, revue hypermédia. https://bit.ly/3HL5sUa
  4. Silva, A. D. da. (1830). Collecção da legislação portugueza desde a última compilação das Ordenações, 1750-1762. Typografia Maigrense, p. 731-737.
  5. Silva, A. D. da. (1830). Collecção da legislação portugueza desde a última compilação das Ordenações, 1750-1762. Typografia Maigrense, p. 732.
  6. O objetivo deste capítulo não passa pela análise da figura de Diogo Inácio de Pina Manique, que sabemos não ser consensual, nem para os seus contemporâneos nem na historiografia portuguesa, na qual, ao longo dos anos tem havido lugar para múltiplas perspetivas de análise. Sobre este assunto, veja-se Félix, P. (1998). Diogo Inácio de Pina Manique, Intendant Général de la Police de la Cour et du Royaume de Portugal (1780-1805): Pouvoir et Actions face à la Criminalité, [Maîtrise d’ Histoire Moderne]. Université de Marne La Vallée.
  7. Silva, A. D. da. (1828). Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações, 1775-1790. Typografia Maigrense, p. 255-256.
  8. As visitas às cadeias eram o meio mais eficaz para se verificar a ordem dos espaços e as condições em que os presos viviam. Nesse momento poderiam ser castigados alguns delinquentes, como ladrões, vadios, jogadores, entre outros. As visitas tinham o propósito de evitar que os presos se eternizassem nas cadeias e impedir que fossem soltos impunemente. Alves, S. (2014). Punir e humanizar: O direito penal setecentista. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 284.
  9. ANTT. Intendência Geral da Polícia, maço 588, doc. 84, decreto de 20 de maio de 1780.
  10. “A boa ordem que se observa, e as leis que a prudência estabeleceu para a sociedade humana nas Cidades, Repúblicas e etc. Divide-se em polícia civil e militar. Com a primeira se governam os cidadãos, com a segunda os soldados. Nem uma, nem outra polícia se acha nos povos a que chamamos bárbaros. […] Cidade regulada, ou governada com boa polícia […] algumas vezes vale o mesmo que asseio, limpeza, alinho, etc”.
  11. Silva, A. D. da. (1828). Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações, 1775-1790. Typografia Maigrense, p. 255-256.
  12. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 93, fls. 369-370.
  13. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 1, fls. 251-253.
  14. Os bairros de Alfama, do Bairro Alto, do Rossio, de Remolares e da Rua Nova contavam, cada um, com um corregedor do crime para o exercício da justiça, enquanto os bairros do Andaluz, do Castelo, do Limoeiro, da Mouraria, do Mocambo, da Ribeira e de Santa Catarina tinham um juiz do crime. Cf. Alvará de 25 de agosto de 1753, Silva, A. D. da. (1830). Collecção da legislação portugueza desde a última compilação das Ordenações, 1750-1762. Typografia Maigrense, p. 166.
  15. ANTT. Ministério do Reino, liv. 327, fls. 70-71.
  16. Esta noção é corroborada por um fluxo notável de ordens enviadas pelo Intendente, para estes homens. A cronologia, bem documentada, contrasta com as lacunas dos 20 anos anteriores, para os quais a documentação se revela bem mais escassa (Borda D’Água, 2021, p. 21), possibilitando-nos observar com uma maior abrangência a relação entre Intendente e Magistrados.
  17. Veja-se a ordem transmitida pelo Intendente Geral da Polícia a todos os magistrados criminais da corte, determinando a que procedessem a um inquérito rigoroso de todos os crimes cometidos em cada bairro entre 1 de agosto e 11 de setembro de 1789, reportando, em particular, os crimes de homicídio. ANTT. Ministério do Reino, mç. 454, Rondas da Polícia, 1788-1793.
  18. É preciso não esquecer que, especialmente no caso da correspondência enviada pelo Intendente, estamos perante alguém que tentou impor as suas perspetivas e o conhecimento que tinha sobre aquele que devia ser o papel da polícia, alicerçado não só na sua própria experiência, como no conhecimento que detinha de outras práticas europeias, para valorizar o papel da Instituição que dirigia, nos múltiplos campos que, no seu entendimento, a sua jurisdição tocava. Curiosamente, a hipótese de haver relatos exagerados foi levantada pelo próprio Intendente, mas em relação a algumas queixas levantadas contra si e levadas ao conhecimento da Rainha, com o propósito de minar a credibilidade do seu trabalho. ANTT. Ministério do Reino, mç. 454, Rondas da Polícia, 1788-1793.
  19. Veja-se o relato enviado pelo Corregedor da Comarca de Beja, datado de 1791. D. Diogo de Sousa descreveu um cenário complexo, afirmando estar rodeado de ladrões e assassinos que o obrigavam a estar sempre armado, para se poder defender em caso de necessidade. ANTT. Ministério do Reino, mç. 454, ofício de 20 de janeiro de 1791.
  20. Depois do “sino corrido”. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 189, fl. 32.
  21. Chegando a atacar fisicamente elementos das rondas civis. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 189, fl. 32.
  22. Inicialmente, a ordem de 02 de fevereiro de 1781 foi aplicada apenas àqueles que não tinham o uniforme do respetivo regimento. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 189, fls. 300-301. No entanto, poucos dias depois a medida foi alargada a todos os que “valendo do seu uniforme militar andam com ele atacando de noite a todos os que transitam pelas ruas, roubando e cometendo outros insultos […] sem receio das rondas. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 189, fl. 327.
  23. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 189, fls. 174-179. Certidão da sentença e acórdãos da Relação pronunciados contra os réus dos crimes praticados sobre o navio sueco Patristen em Lisboa. (1781). na offic. de Jozé de Aquino Bulhoens.
  24. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 2, fl. 183.
  25. “Em alguns sítios, à esquina de certas ruas, estão postados guardas-nocturnos; mas a sua função principal é anunciar quem passa, em altos brados, quando eles próprios não estão a dormir. […] O único dever que lhes incumbe é bradar por socorro e […] os bandidos seguem tranquilamente o seu caminho. Ruders, 39-40.
  26. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 197, fls. 204-205.
  27. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 5, fls. 198-201.
  28. Veja-se o exemplo do Porto: Ribeiro, A. S. V. (2012). Convívios difíceis: Viver, sentir e pensar a violência no Porto de Setecentos (1750-1772). CITCEM – Edições Afrontamento, p. 110.
  29. ANTT. Ministério do Reino, mç. 454, Rondas da Polícia. Determina que os réus de furto e assassínio sejam julgados e sentenciados pelos juízes em cujos distritos forem presos, segundo a Lei desta mesma data. Silva, A. D. da. (1830). Collecção da legislação portugueza desde a última compilação das Ordenações, 1763-1774. Typografia Maigrense, p. 68-69.
  30. ANTT. Ministério do Reino, mç. 454, Sacrilégios, Roubos e Assassinatos.
  31. ANTT. Intendência Geral da Polícia, maço 588, doc. 9.
  32. A denúncia era premiada com moedas de ouro e com a promessa de que a identidade do denunciante não seria conhecida. Para maior segurança, convidava-se a virem “às casas onde assisto, dar a sua denúncia de noite, para não poder ser descoberto”. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv.67, fls. 103-103v.
  33. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 67, Fl. 207-207v.
  34. ANTT. Ministério do Reino, mç. 454, 6 de outubro de 1791.
  35. ANTT. Leis e Ordenações, Coleção de Leis, maço 8, n.º 35, 05 de março de 1790.
  36. Silva, A. D. da. (1828). Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações, 1775-1790. Typografia Maigrense, p. 256-256.
  37. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 189, fls. 45-47.
  38. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 2, fls. 368-371.
  39. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 67, fls. 103v-105.
  40. Em maio e junho de 1780 foram pedidos teares e rodas de fiar, que pertenciam à fabrica de algodões de Santarém, para que as fábricas dentro da Casa Pia começassem a funcionar. Para tal fizeram-se pedidos de requisição de rodas e teares para serem usados pelos “mendigos, vagabundos e mulheres prostituídas recolhidas na Casa Pia”. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 1, fls. 19-20.
  41. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 3, fls. 9v-10v.
  42. ANTT, Intendência Geral da Polícia, liv. 1, fls. 153-154.
  43. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 1, fls. 524-532.
  44. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 1, fls. 524v-532v.
  45. ANTT. Intendência Geral da Polícia, liv. 7, fl. 23-63.


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